O Símbolo perdido - o ponto dentro de um círculo

 

 

Introdução

 

A Maçonaria anglo-saxônica adota um símbolo esquecido pela Maçonaria Brasileira. Trata-se do símbolo que os Maçons de língua inglesa denominam “O ponto dentro de um círculo”, e que é visto nos painéis das lojas.

 

Muitos estudantes consideram este símbolo como pertencente exclusivamente ao terceiro grau. Mas, se recorrermos a antigos catecismos maçônicos ou até a instruções mais recentes, encontramos este símbolo na explicação do primeiro painel. Ele figura em muitos dos antigos painéis do primeiro grau e as instruções dizem-nos que “em toda Loja regular e legalmente constituída há um ponto dentro de um círculo, cujos limites (a Virtude e o Amor ao Próximo) o Maçom não deve ultrapassar”.

 

Em muitos rituais do Primeiro Grau, editados no Brasil, existe o desenho de um Painel de Aprendiz, no qual são vistas as três colunas arquitetônicas, o Sol, a Lua, a Estrela Flamejante no alto da escada de Jacó e embaixo desta, um altar quadrado repousando sobre um pavimento mosaico. No meio deste altar nota-se um círculo. Comparando-se, entretanto este desenho com a pintura original, observam-se várias diferenças. O desenho original mostra o símbolo completo. O Círculo tem um ponto central e duas linhas verticais paralelas tangenciando a circunferência.

 

Sendo limitado ao Norte e ao Sul por duas linhas paralelas e perpendiculares, que representam Moisés e Salomão[1], este símbolo indica, dentre outras coisas, que o Maçom deve pautar as suas ações segundo as virtudes que estes dois grandes iniciados representam. O Círculo é também tangenciado no seu topo pelo Livro da Lei, indicando que a via ascensional para o GADU só existe pela obediência à sua vontade e aos misteriosos desígnios da sua sagrada palavra.

 

O Símbolo

 

O Círculo com um ponto central é, inegavelmente, um símbolo místico e remonta à mais alta antiguidade. Ele faz parte até das cerimônias e ritos de adoração ao Sol predominante entre os antigos. Este símbolo foi interpretado de várias maneiras. Simbolizou o Sol, o Universo, Deus e o Todo, a Unidade e o zero, o princípio (o ponto) no centro da eternidade (o círculo linha sem início e fim), porém sempre relacionados a Deus e à criação.

 

Os corpos celestes foram a base sobre a qual se inspiraram os sábios da Antiguidade para definir as primeiras formas geométricas. Nos primórdios da Humanidade, o Ser Supremo, o Criador, não tinha nome nem símbolo algum que o representasse. O mesmo não acontecia em relação à sua obra, à criação, o Universo, cujo símbolo já era então o Círculo com o Ponto Central.

 

O Zohar, o Livro do Resplendor, ensina que o Ponto Original e Indivisível se dilatou e, por meio de um movimento constante, expandiu-se e deu vida e forma ao Universo. A Divindade expande-se de maneira ilimitada, e enche continuamente o Universo com as suas obras.

 

Meus Irmãos, chama-nos a atenção tal afirmativa, feita tantos séculos atrás pois, das modernas teorias sobre a origem do Universo, uma das mais aceitas pela comunidade científica é a do popularmente conhecido “Big Bang” onde, de um ponto de dimensões infinitamente pequenas (uma singularidade), toda a matéria e energia surgiu numa fantástica expansão. Esta ocorrência cósmica criou não só matéria e energia, mas o próprio tempo e toda a geometria do espaço. Não é por acaso que vemos o ponto dentro do círculo tangenciado também pelo Livro da Lei (o verbo)… “E no princípio era o verbo” (Bíblia Sagrada). Não só a intuição religiosa, mas também o formalismo matemático e as inferências experimentais da cosmologia moderna levam-nos a ideia de que, antes do “sopro inicial criador”, não existia nem espaço nem o tempo[2]. É surpreendente como, nos limites da ignorância humana, ciência e espiritualidade parecem tocar-se.

 

Na década de 20, observações realizadas por Edwin Hubble, no telescópio do Monte Wilson, revelaram que, quanto mais longe as galáxias estão do nosso planeta maior é a velocidade de afastamento. Isto diz-nos que o Universo está a expandir-se de forma acelerada. Se as galáxias se estão a afastar agora, significa que devem ter estado mais próximas umas das outras no passado. Há cerca de 15 bilhões de anos todas teriam estado “umas sobre as outras”, e a densidade teria sido enorme. Este estado foi denominado Átomo primordial pelo sacerdote católico Georges Lemaître, o primeiro a investigar a origem do universo que agora chamamos de  “Big Bang”.

 

Na Índia, os Vedas ensinam que Deus é um Círculo, cujo centro está em toda a parte e cuja circunferência não está em parte alguma. Outra interessante semelhança entre o pensamento antigo e moderno pois, voltando a falar da geometria do espaço-tempo e da expansão universal, não se concebe esta expansão de forma regular, melhor dizendo, não há, atualmente, um centro determinado desta expansão.

 

Meus queridos Irmãos, para visualizarmos a situação acima descrita, ainda que de forma rudimentar, imaginemos todas as galáxias do universo espalhadas sobre a superfície de uma gigantesca (e hipotética) “bexiga” de borracha. Se enchemos a bexiga, todas as galáxias se afastam umas das outras mas não há um centro determinado, pelo menos no plano físico. O Ponto no centro do círculo é o Criador dos Mundos, e organizador desta maravilhosa dança cósmica, desde o mais humilde átomo de carbono nos fios das barbas de Aarão até os fantásticos quasares[3] que fulgem dos confins do universo.

 

O Círculo com o Ponto no Centro também pode ser relacionado com a fórmula alquímica VITRIOL. Nesta acepção, retificar significa corrigir os erros inerentes à natureza humana. Com a descida ao interior da Terra e a morte do profano, o iniciado, pela meditação e auto-análise, busca as cristalinas fontes do Amor e da Sabedoria que o levarão à posse da Pedra Polida, a almejada Pedra Filosofal.

 

O Círculo

 

O Círculo, sem começo nem final, é um símbolo da divindade e eternidade e, portanto, o Compasso deve ser tomado como o meio pelo qual esta figura perfeita pode ser traçada. Em toda a parte e em todas as épocas, atribuiu-se ao Círculo propriedades mágicas e, particularmente, o poder de proteção contra o mal exterior de tudo que estivesse nele circunscrito. O folclore traz-nos inúmeros exemplos de pessoas, casas, lugares etc. sendo protegidos pelo simples traçado de um círculo em volta deles. As virtudes do Círculo foram também atribuídas aos anéis, braceletes tornozeleiras e colares usados desde épocas primitivas, não só como ornamentos, mas como meio de proteção contra influências malignas.

 

O Ponto dentro do Círculo foi herdado, conscientemente ou não, dos mais antigos ritos pagãos, nos quais ele representava os princípios masculino e feminino e tornou-se, como passar do tempo, o símbolo do Sol e do Universo. A adoração do falo, como símbolo de fertilidade, foi lugar comum em todo mundo antigo. Povos simples foram inocentemente levados a adotá-lo como base das suas religiões sob a veste de um grande mistério ou princípio gerador.

 

L.M Child declarou :

A reverência pelo mistério da organização da vida levou ao reconhecimento de um princípio masculino e feminino em todas as coisas espirituais ou materiais: a exemplo, o vento (ativo) era masculino, a atmosfera, passiva e inerte, era feminina”.

 

Podemos citar outras diversas leituras para este emblema, quais sejam:

  • Um antigo esquema do universo, o ponto representa o individuo, ou contemplador, e o círculo o horizonte;
  • A trajetória da Terra em volta do Sol e as linhas paralelas como os solstícios de inverso e Verão;
  • Um diagrama astrológico ou astronômico com as linhas verticais representando os Trópicos de Câncer e de Capricórnio.

 

Gostaria, no entanto de finalizar esta explanação com a sua interpretação geométrica, a qual tem íntima ligação com alguns dos mais bem guardados segredos dos antigos Maçons Operativos: a obtenção de um ângulo recto a partir do traçado do círculo.

 

 

 

A técnica consiste em traçar uma linha partindo de um ponto qualquer da circunferência (no nosso exemplo, ponto A da figura 2) passando pelo centro e interceptando-a novamente (figura 2, ponto B). Depois, traça-se uma outra linha partindo do mesmo ponto inicial e interceptando a circunferência num outro ponto qualquer (figura 2, ponto C). Agora ligamos este ponto com o ponto B. Obtemos, então, de acordo com o Teorema 12, do Livro III, do “Elementos de Geometria” de Euclides, um triângulo retângulo. Este teorema diz que “Um ângulo inscrito num semicírculo é um ângulo recto” (vide figura 3).

 

 

Naturalmente, como um ofício secreto, esta técnica deve ter tido um extremo valor para os Antigos Maçons Operativos, e deve ter sido utilizada, dentre outras coisas, para verificar o trabalho dos obreiros e certificar que os mesmos estavam perfeitos. Outras operações gráficas podem ser executadas com base nesta rica figura. Até mesmo o Segmento Áureo[4] (F) pode dela ser obtido. 

 

Aos Irmãos que desejarem aprofundar o estudo geométrico do símbolo, sugiro a leitura do artigo citado na primeira referência bibliográfica deste texto.

 

Conclusão

 

Meditemos, meus caros Irmãos, sobre a profundidade e riqueza deste elemento “mágico” da nossa simbologia. Mais que isso, sobre a sua antiguidade e sobre o significado que ele nos traz de eras passadas. Quantos joelhos não se curvaram perante o símbolo do Eterno, do Criador, do Sol? Quantas expectativas não foram neste símbolo depositadas? Quantas magníficas obras arquitetônicas não se ergueram em direção aos céus com o auxílio deste magnífico emblema? Se este é o símbolo perdido não podemos reencontrá-lo? Se, atualmente, os nossos rituais não fazem jus à carga espiritual e histórica deste símbolo será que não nos cabe rendermos homenagem aos nossos ancestrais que observaram os limites do círculo e renderam graças ao “Ponto Primordial”?

 

Que o GADU nos ilumine na nossa jornada!

 

Mario Cristino Bandim Vasconcelos

 

Notas

[1] – Os nossos Irmãos do Rito de York dizem que “em toda Loja bem dirigida existe a representação de um certo ponto dentro de um círculo, e que representa um Irmão, individualmente; o Círculo, a linha divisória da sua conduta, além da qual ele nunca sofrerá danos ou paixões que o traiam”. Acrescentam ainda que “este círculo é limitado por duas linhas perpendiculares paralelas, que representam São João Batista e São João Evangelista, e no topo estão as Sagradas Escrituras” (um livro aberto). “Ao circundar esse círculo”, dizem eles, “tocamos, necessariamente, essas duas linhas, assim como as Sagradas Escrituras; e enquanto um Maçom se mantém circunscrito aos seus preceitos, torna-se impossível que possa errar”.

 

[2] – A “nova” teoria do espaço-tempo curvo foi denominada relatividade geral, para distinguir-se da teoria original que não falava sobre gravidade. Ela foi confirmada espetacularmente em 1919, quando uma expedição britânica à África Ocidental observou uma pequena deflexão da luz ao passar perto do sol, durante um eclipse. Foi uma evidencia direta de que o espaço e o tempo são deformáveis.

 

[3] – Os “quasares” – abreviatura de quase stelars objectus (objetos quase estelares) – são buracos negros de massa bilhões de vezes maiores que a do Sol. A voracidade com que devoram matéria é impressionante. A aceleração desta matéria “tragada” para o seu interior produz fortes emissões de ondas de rádio e uma colossal luminosidade tornando-os os objetos mais brilhantes do universo.

 

[4] – Segmento Áureo – também chamado “Número de Ouro” ou “Divina Proporção”, consiste em uma relação particular tal que a parte menor esteja em relação à maior assim como a maior em relação ao todo. Isso é o que a geometria clássica chama de divisão de uma recta em média e extrema razão. Esta relação é frequentemente encontrada da natureza: proporções do corpo humano, desenho de flores, traçado das conchas de muitos moluscos oceânicos e, por isso, muitas Lojas a observam na construção do quadrado oblongo dos seus Templos.

 

Referências

BURKE, Bro. William Steve, 32°. The point within a circle – More Than Just an Allusion? : Construction of a Right Triangle Using The “Point Within s Circle”. Sciotto Lodje Nº 6, Chillicote, Ohio. Disponível em: https://www.freemasons-freemasonry.com/point_within_circle.html

 

FADISTA, Antônio – O ponto dentro do círculo – Pesquisa: Ir:. Jaime Balbino – Disponível em: https://www.cavaleirosdaluz18.com.br/trabalhos/O%20Ponto%20Dentro%20do%20C%C3%ADrculo.pdf

 

HAWKING, Stephen – O Universo numa casca de noz– São Paulo, Arx, 2001, 3ª edição.

 

PIKE, Albert – Moral e Dogma – Graus Simbólicos – Livraria Maçônica Paulo Fuchs.

 

WATERMAN, S.L – A point within a circle – G.L of Sakatchewan – 1974. Disponível em: https://www.themasonictrowel.com/Articles/degrees/degree_1st_files/a_point_within_a_circle.htm

 

 

Publicado originalmente em https://opontodentrocirculo.com/