O Templo de Jerusalém como Centro do Universo
A Maçonaria concebe Deus com o Grande Arquiteto do Universo. Eis o porquê de o templo onde se reúnem os maçons ter sido concebido como um simulacro do Cosmos, adaptando aquele uma estrutura semelhante ao desenho da Árvore da Vida.
Isto ocorre porque, nessa visão mística do processo de construção do edifício universal, a Divindade é comparada a um arquitecto que projecta o edifício e depois os seus mestres de obras, os arcanjos (arcontes), e os seus pedreiros, os homens, o constroem. É nesse mesmo sentido que a planta do Templo Maçónico é desenhada como se fosse uma espécie de mandala mágica, e construída de forma a captar a energia criadora, para que o psiquismo dos Irmãos ali reunidos seja carregado com as melhores virtudes, e os vícios porventura existentes sejam dissolvidos. Essa é a ciência maçónica por excelência, que é sintetizada na chamada “egrégora”, palavra grega que designa a energia cósmica captada pela mente das pessoas reunidas no Templo, em estreita união, e convergentes para a consecução de um mesmo objectivo. E não é outra razão pela qual a tradição maçónica reforça tanto o simbolismo que há nas conexões entre o Céu e a Terra. Releva-se de igual modo o facto de as antigas religiões, cujas influências nos ritos maçónicos são evidentes, terem a preocupação de orientar os seus templos na direção de determinadas estrelas, que eram representações dos seus deuses. Não podemos esquecer ainda a tradição dos maçons medievais em orientar o frontispício das igrejas conforme o nascer do sol nos dias do santo a quem o templo era dedicado. Este é o elo simbólico que justifica a tradição maçónica em considerar como uma cópia do Templo de Jerusalém todo o edifício onde os Irmãos se reúnem, na forma como ele foi projectado pelo arquiteto Hiram Abiff e construído pelos arquitectos do rei Salomão.
Todo o iniciado na tradição maçónica sabe que o Templo de Jerusalém foi erigido segundo instruções místicas, que visavam reproduzir nesse edifício o próprio desenho do Cosmos, e que, segundo acreditavam os israelitas, era a “morada de Deus”. Segundo Mircea Eliade, no seu livro “O Sagrado e o Profano”, no quadro do simbolismo do templo, o pátio figurava como o Mar (quer dizer, as regiões inferiores), o santuário representava a Terra, e o Santo dos Santos, o Céu (Ant. Jud., III, VII, 7). Verifica-se, pois, que a imago mundi, assim como o “Centro”, se repete no interior do mundo habitado. A Palestina, Jerusalém e o Templo de Jerusalém representam, cada um e ao mesmo tempo, a imagem do Universo e o Centro do Mundo. Essa multiplicidade de “Centros” e a reiteração da imagem do mundo em escalas cada vez mais modestas constituem uma das notas específicas das sociedades tradicionais. O homem religioso desejava viver o mais perto possível do Centro do Mundo. Sabia que seu país se encontrava efetivamente no meio da Terra; sabia também que sua cidade constituía o umbigo do Universo e, sobretudo, que o Templo ou o Palácio eram verdadeiros Centros do Mundo; mas queria também que sua própria casa se situasse no Centro e que ela fosse uma imago mundi. Acreditava ainda que as habitações se situavam, de fato, no Centro do Mundo reproduzindo, numa escala microcósmica, o Universo. Por outras palavras, o homem das sociedades tradicionais só podia viver num espaço “aberto” para o alto, onde a rotura de nível estava simbolicamente assegurada e a comunicação com o outro mundo, o mundo transcendental, era ritualmente possível. O santuário – o “Centro” por excelência – estava ali, perto dele, na sua cidade, e a comunicação com o mundo dos deuses era-lhe afiançada pela simples entrada no templo. Numa palavra, sejam quais forem as dimensões do espaço que lhe é familiar e no qual ele se sente situado – o seu país, a sua cidade, a sua aldeia, a sua casa –, o homem religioso experimentava a necessidade de existir sempre num mundo total e organizado, num Cosmos.
A Cabala classifica como Sod os enigmas que estão ligados ao desenho estrutural do universo, os quais foram reproduzidos na planta do primeiro Templo de Salomão. Por isso este era originalmente conhecido como Santuário da Solidão, já que ali reinava o Único, o Santo dos Santos, aquele que não tinha par entre todas as potestades do universo. Como se sabe, o Templo de Jerusalém foi desenhado a partir das instruções que Deus deu a Moisés para a construção do Tabernáculo. Todos os utensílios, os adereços, as vestes dos sacerdotes e as próprias medidas do Templo tinham uma função específica e um significado arcano de grande importância. Como referido, o tabernáculo tinha três divisões que representavam o céu (o altar onde ficava o Santo dos Santos), cuja separação do resto do Templo era feita por um véu (parakoteh); o mar (onde ficava o Lavatório, a grande bacia de bronze); e a terra (o Átrio, onde ficavam o povo e o altar do holocausto). Aqui, nota-se claramente a presença de conceitos cabalistas a influenciar esta estrutura, uma vez que no universo da Cabala também existe um “véu” a separar a dimensão do Deus manifesto (o universo físico) da dimensão de Deus não manifesto, ou seja, o “véu da Existência Negativa”, em que a essência da Divindade (Ayn Soph) é a única realidade existente. No altar do Santo dos Santos, só o sumo sacerdote lá podia entrar, uma vez por ano, para receber a manifestação divina na forma de oráculos, que, por sua vez, eram transmitidos à congregação dos sacerdotes, para que estes os transmitissem ao povo. Os quatro tipos de tecido usados na confecção do Tabernáculo simbolizavam os quatro elementos; a sobrepeliz do sacerdote supremo (Cohen gadol) com as suas variações cromáticas era a imagem do universo nascente, que na sua origem representava uma profusão fantástica de cores. As campainhas significavam a harmonia de som, já que esse é um dos elementos com os quais Deus construiu o universo; as doze pedras preciosas no peitoral do sacerdote e os doze pães da preposição simbolizavam, no plano cósmico, os doze signos do zodíaco e no sociológico as doze tribos de Israel, maquete da Humanidade Autêntica. As duas esmeraldas nas ombreiras do sacerdote eram o Sol e a Lua. Na mitra do sacerdote as quatro letras do Nome de Deus (IHVH) diziam que todo o universo era construído a partir das letras do Nome Sagrado.
O candelabro de sete braços (menorah) significava os sete planetas conhecidos na época. A mesa arrumada na direcção Norte, com os pães da preposição e o sal, todos arranjados na forma de uma mandala mágica, homenageavam a chuva e o vento, forças necessárias à produção da Terra. A grande bacia de bronze que os sacerdotes usavam para lavar os pés e as mãos simbolizavam a limpeza de carácter que o homem devia mostrar diante da divindade. Assim, na simbologia do Templo de Jerusalém e dos seus utensílios estava descrita toda a estrutura de constituição física do universo e, além disso, um vigoroso código moral para guiar os seus construtores. Essa seria também a formulação simbólica que viria a inspirar, na Idade Média, os maçons operativos na mística da sua arte. Por isso é que eles mostravam, na execução do seu trabalho puramente operativo, o desvelo próprio de um artista que sente estar a copiar a própria obra de Deus; e na alma que assim se consagra a esse trabalho havia um sentimento de ascese que transcendia o plano físico para o levar ao arrebatamento próprio daqueles que se deixam a uma prática de natureza sagrada. Estava, assim, nascida a mística operativa que deu origem à Maçonaria.
Giordano Bruno
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