O Valor Velado da Maçonaria

O presente documento compõe-se de três partes. A Primeira Parte reúne reflexões pessoais sobre as lições colhidas por ocasião da minha Iniciação, interpretadas à luz da doutrina do Mestre Albert Pike. As duas partes subsequentes consistem em abordagens filosóficas fundamentadas em pensadores que se tornaram referências significativas no cenário do pensamento contemporâneo.

PRIMEIRA PARTE

Quando olhamos pela primeira vez uma obra de arte muito conhecida, muitas vezes ela parece simples, até decepcionante. Nossa imaginação cria algo grandioso demais, e a realidade não corresponde logo de início. Com o tempo, porém, ao observarmos seus detalhes, formas e significados, passamos a admirar sua verdadeira beleza. O mesmo acontece com a Maçonaria.

Ao ingressar na Ordem, muitos esperam encontrar mistérios ocultos, palavras mágicas ou grandes revelações imediatas. Mas o que encontram são rituais antigos, símbolos que parecem comuns e ideias que, à primeira vista, parecem simples. E podem pensar: "É só isso? Aqui estão os grandes segredos?". É uma reação natural.

Mas, se paramos para refletir, percebemos que os verdadeiros segredos não estão na aparência externa. Estão naquilo que se revela aos poucos, por meio da vivência, do estudo e da prática dos ensinamentos.

Os espíritos apressados veem apenas o que está na superfície. Julgam a história como um desfile de reis, guerras e leis, sem perceber os movimentos mais profundos que guiam a humanidade. Não entendem que a Humanidade cresce como um ser coletivo, com sua própria inteligência, aprendendo, tropeçando, mas sempre evoluindo.

Esses mesmos olhos apressados veem as instituições como obras de interesse pessoal, ou como instrumentos de dominação. Não percebem que muitas delas, como os governos e as religiões, nascem das necessidades humanas de cada tempo, com virtudes e defeitos naturais à sua época.

A religião, por exemplo, é vista por muitos como superstição. Mas se olharmos com atenção, ela reflete o nível de entendimento coletivo de um povo, e mesmo seus erros podem ser parte de um caminho maior rumo à compreensão do Divino.

A Maçonaria, por sua vez, entende que o crescimento humano exige etapas. É por isso que adota um sistema de Iniciações. Assim como nas antigas Escolas de Filosofia, aqui se aprende pouco a pouco, conforme o Irmão se mostra preparado. O segredo maçônico, tão falado, não está escondido em palavras ou objetos. Ele se revela na vivência, no esforço pelo aprimoramento pessoal e no companheirismo.

Meus Irmãos, cada um de nós tem o dever de conhecer a fundo esta Instituição da qual agora fazemos parte. Não estamos aqui para repetir gestos automaticamente, mas para compreender, refletir e praticar. Só assim a Maçonaria cumpre sua missão.

Na história da humanidade, todo progresso está ligado a dois grandes pilares: Governo e Religião. O primeiro organiza a vida em sociedade. O segundo alimenta o espírito. Ambos são frutos da inteligência humana. E para representar esse trabalho constante da inteligência, surgiu uma Instituição singular: a Maçonaria.

A Maçonaria não se prende a partidos políticos, nem a religiões específicas. Ela respeita todas as crenças e ideias, mas mantém firmemente seus princípios: liberdade de pensamento, busca da verdade e construção de uma vida melhor, baseada em justiça, moral e tolerância.

Por isso, sempre foi observada com desconfiança por governantes e partidos. Alguns a perseguiram, outros tentaram usá-la. Nenhum teve êxito, pois a Maçonaria é clara:

“Como Instituição, não se envolve em política”.

“A Maçonaria não é uma religião”.

“A Maçonaria reconhece a existência de um Ser Supremo, a quem chamamos de G∴A∴D∴U∴”.

Aqui, todos os homens são bem-vindos: católicos, protestantes, judeus, muçulmanos, budistas, espíritas, ateus, republicanos, monarquistas... todos podem trabalhar juntos sob o mesmo teto, com respeito e harmonia. E isso é algo sublime. É uma verdadeira vitória da tolerância e da fraternidade.

Por isso, estudemos com seriedade cada etapa que a Maçonaria nos oferece. Cada Iniciação nos mostra um novo aspecto deste grande Templo que começamos a conhecer. O segredo está em seu sistema, em seu poder moral, e na força que transforma ideias em ação.

Neste Templo simples onde nos reunimos, com rituais antigos que atravessam os séculos, aprendemos a valorizar o que é essencial. Que o respeito pela Tradição seja como o respeito que temos pelo que é antigo e querido na casa de nossos pais.

Hoje, passamos a integrar uma corrente viva, que preserva a memória das grandes instituições do passado, e que continua a lutar por um futuro mais justo, mais iluminado e mais fraterno.

É essa a missão da Maçonaria. É esse o caminho que nos cabe trilhar.

SEGUNDA PARTE

1. A Maçonaria e a Modernidade Líquida

Zygmunt Bauman ficou conhecido por falar do nosso tempo como uma "modernidade líquida". Ele diz que hoje tudo muda muito rápido: os relacionamentos, os valores, as instituições, até o modo como pensamos. Nada parece durar. As pessoas têm pressa. Querem respostas rápidas, soluções imediatas, recompensas instantâneas. E isso gera uma sensação de vazio.

Na primeira parte do texto, quando falo sobre os "espíritos apressados" que entram na Maçonaria esperando mágica, revelações instantâneas e segredos grandiosos, estou descrevendo justamente esse comportamento da modernidade líquida.

Bauman diria: “As pessoas desaprenderam a esperar”. E a Maçonaria vai na contramão disso. Ela propõe um caminho lento, simbólico, com etapas e esforço pessoal — o oposto da cultura do imediatismo.

2. Hermenêutica e Interpretação: o olhar de Leandro Karnal

Leandro Karnal, como historiador e filósofo, defende que a sabedoria exige paciência e interpretação. Ele se baseia na hermenêutica, que é a arte de interpretar os significados por trás das palavras, símbolos e tradições. Isso está totalmente presente na Primeira Parte do presente texto.

Quando se diz que “os verdadeiros segredos não estão na aparência externa, mas na vivência e na prática dos ensinamentos”, estamos diante de um convite à leitura profunda, à compreensão além do óbvio — que é exatamente o que Karnal propõe em sua forma de pensar.

Ele também ensina que o conhecimento verdadeiro exige humildade: não basta decorar símbolos ou repetir rituais. É preciso refletir, sentir, entender o porquê. A Maçonaria, oferece exatamente isso: uma escola de formação interior, não um espetáculo externo.

3. Tradição e Transformação

Para Bauman, um dos maiores problemas do nosso tempo é o desprezo pela tradição. Tudo o que é antigo é descartado. Mas no presente texto valorizo a tradição maçônica como fonte de sabedoria e estabilidade, algo que nos ancora num mundo em constante mudança.

“O respeito pela Tradição deve ser como o respeito pelo que é antigo e querido na casa de nossos pais”. — Aqui há um apelo à memória, à raiz, ao valor do que nos trouxe até aqui.

Karnal nos lembraria que a tradição só faz sentido quando não vira prisão, mas sim ponte entre passado e futuro.

E é isso que o proponho: preservar rituais e ideias antigas, não como algo ultrapassado, mas como fundação para um futuro mais justo, fraterno e iluminado.

4. Tolerância e Humanismo

Quando afirmo, ecoando o contido nos rituais maçônicos, que “todos os homens são bem-vindos”, independentemente de religião ou ideologia, estou ecoando, também, um dos pilares centrais do pensamento iluminista e humanista — algo que tanto Bauman quanto Karnal valorizam.

Em um mundo polarizado, intolerante, onde se cria inimigo até dentro da própria família por causa de política ou religião, a Maçonaria propõe respeito, diálogo, unidade na diversidade.

Bauman diria que essa proposta vai contra a fragmentação da sociedade líquida. Karnal diria que isso é civilização em ação: aprender a conviver com o diferente e construir juntos.

5. O Verdadeiro Segredo

Na Primeira Parte deste texto afirmo que o “segredo maçônico” não está em palavras ocultas, mas na transformação moral do indivíduo. Isso está profundamente ligado à ideia de ética e autoconhecimento, tão presente tanto em Bauman quanto em Karnal.

A Maçonaria é uma escola que forma “homens melhores” — e não apenas membros obedientes.

Para Bauman, isso é coragem ética: ser capaz de construir uma identidade sólida num mundo em que tudo é instável. Para Karnal, isso é exercer a liberdade com responsabilidade, estudando o passado para agir melhor no presente.

A Maçonaria como resistência ética e cultural

Defendo a Maçonaria como uma instituição contra a corrente: numa sociedade líquida, ela oferece solidez. Num mundo apressado, ela ensina a paciência. Num ambiente de ódio e divisão, ela pratica a fraternidade.

Zygmunt Bauman nos alertaria que a Maçonaria representa um espaço onde o ser humano ainda pode se construir com profundidade.

Leandro Karnal lembraria que ela só cumpre esse papel se cada maçom refletir sobre os símbolos, estudar com dedicação e agir com ética.

Mensagem aos Irmãos

Meus Pacíficos e Amados Irmãos, o valor da Maçonaria está velado não porque está escondido, mas porque exige olhos atentos, coração aberto e mente preparada.

Estudar os filósofos, como Bauman e Karnal, nos ajuda a compreender melhor esse caminho.

Mas é na prática, na humildade, no trabalho constante e silencioso de cada um, que esse valor se revela.

TERCEIRA PARTE

Na Primeira Parte falo sobre o valor profundo da Maçonaria — um valor que não se revela de imediato, mas se desvela com o tempo, à medida que o Irmão vive, reflete e se transforma.

Essa ideia central tem ressonância direta com o pensamento de Heidegger, que fala do ser como algo velado, encoberto pelas aparências do cotidiano, e que só se mostra por meio de um caminho existencial, vivido com profundidade. Giacóia, interpretando Heidegger, chama isso de "acontecimento do ser", algo que não pode ser imposto nem compreendido superficialmente — mas precisa ser experimentado existencialmente.

1. Desvelar o Ser: a Maçonaria como caminho iniciático

Heidegger dizia que o ser das coisas está escondido sob a correria do dia a dia. As pessoas vivem ocupadas, olhando o mundo de forma superficial — e assim, não veem a verdade do ser.

Na Primeira Parte do texto falo dos que entram na Maçonaria esperando “grandes segredos” imediatos, e se decepcionam com rituais aparentemente simples. Isso é o que Heidegger chamaria de visão técnica e apressada do mundo — o olhar que quer usar o conhecimento, e não habitar o conhecimento.

Giacóia, ao interpretar Heidegger, diria que a Maçonaria é como uma morada do ser: um lugar onde, com paciência e vivência, o segredo se desvela — não como um dado, mas como um acontecimento.

2. Tempo, Espera e Iniciação

Na filosofia heideggeriana, o tempo não é só relógio. É experiência vivida. O tempo da existência é aquele que forma o ser.

Na Primeira Parte falo que o segredo maçônico se revela aos poucos, conforme o Irmão se mostra preparado. Isso é puro Heidegger: a verdade exige tempo, exige disposição de escuta, exige presença real no mundo.

A iniciação, portanto, não é um espetáculo, mas um modo de ser. Ela é o que Heidegger chamaria de “entrada no desvelamento do ser” — e que Giacóia interpreta como um modo mais autêntico de estar no mundo.

3. A superficialidade do mundo moderno

No texto critico os “espíritos apressados”, que veem apenas a aparência das coisas. Essa crítica é totalmente heideggeriana.

Heidegger dizia que a maioria das pessoas vive no que ele chamou de “queda”: uma forma de viver alienada, onde tudo é tratado como objeto, como recurso, como coisa útil. Esse modo de viver impede de ver o sentido mais profundo da existência.

Quando no texto digo que muitos veem a história como “um desfile de reis, guerras e leis” e não percebem os “movimentos profundos da humanidade”, estou apontando o mesmo que Heidegger: o olhar comum não vê a essência. Vê só a casca.

A Maçonaria, então, convida o Irmão a sair dessa superficialidade — e começar a viver com autenticidade, buscando sentido, presença e comunhão com algo maior.

4. A Maçonaria como lugar de sentido

Giacóia ensina que Heidegger não queria propor uma nova religião, mas sim uma forma de reencontrar o sagrado — não como dogma, mas como experiência do mistério do ser.

No texto afirmo que a Maçonaria “reconhece a existência de um Ser Supremo”, mas não se prende a religiões. Ela respeita a pluralidade, mas mantém firme o valor da espiritualidade.

Isso está em sintonia com Heidegger, que fala de um “Deus que vem” — não como imposição externa, mas como um chamado interno que o ser humano só ouve quando silencia e escuta o mistério.

A Maçonaria, nesse sentido, é um espaço simbólico onde o homem pode encontrar esse chamado — um templo existencial onde se aprende a habitar o mistério do ser com reverência.

5. O Outro, a Tradição e a Fraternidade

Heidegger não falava diretamente de fraternidade, mas falava da importância do estar-com-os-outros, do cuidado, da comunhão no mundo. Giacóia interpreta isso como a possibilidade de criar uma comunidade do ser, onde as pessoas se encontram não pelo que possuem, mas pelo que são.

Quando no texto digo que todos os homens, de diferentes crenças e ideologias, podem trabalhar juntos sob o mesmo teto, aponto justamente para essa unidade profunda que só é possível quando há abertura para o ser do outro.

A Maçonaria, com seus rituais, tradições e linguagem simbólica, preserva o elo com o passado, mas também abre caminho para um futuro mais autêntico, mais fraterno e mais humano.

Maçonaria como morada do ser

Mostro, à luz da filosofia de Heidegger (interpretada por Giacóia), que a Maçonaria é um espaço de desvelamento — um lugar onde o Irmão é convidado a sair do modo superficial de viver, e entrar em contato com o sentido profundo da existência.

Ela não entrega segredos prontos. Ela oferece o caminho do ser: um modo de habitar o mundo com autenticidade, respeito, tradição e busca de sentido.

Como diria Heidegger, “o ser humano é o pastor do ser”. E a Maçonaria, nesse sentido, é a escola que forma esse pastor — com símbolos, silêncio, estudo e vivência.

Hiran de Melo
Presidente da Excelsa Loja de Perfeição “Paz e Amor”, corpo filosófico da Inspetoria Litúrgica do Estado da Paraíba, Primeira Região, do Supremo Conselho do Grau 33 do REAA da Maçonaria para a República Federativa do Brasil.

Fonte: https://pazeamorloja0225.blogspot.com/