O zodíaco surrealista de Johfra

O pintor holandês Johfra Bosschart criou entre 1974 e 1975 uma obra-prima do surrealismo: a série de doze quadros retratando os signos zodiacais, cuja representação revela um profundo conhecimento de mitologia, simbolismo e das tradições do hermetismo europeu.

 

Johannes Franciscus Gijsbertus van den Berg, ou mais simplesmente Johfra Bosschart, foi um artista plástico holandês nascido em 1919 e falecido em 1998, às vésperas de completar 79 anos. Em sessenta anos de trabalho profícuo, deixou uma obra única, que ele mesmo descreve como “surrealismo baseado em estudos de psicologia, religião, referências bíblicas, astrologia, antiguidade, magia, feitiçaria, mitologia e ocultismo”.

 

O momento de amadurecimento da produção artística de Johfra parece ter ocorrido por volta de 1962, quando, aos 44 anos, o pintor inicia seu segundo casamento e muda-se para a França, deixando para trás a Hollanda natal. Nesta fase, o interesse em Astrologia e Mitologia tornar-se-á cada vez mais evidente, culminando com uma série de pinturas, produzidas entre 1974 e 1975, que retratam os doze signos num estilo semelhante ao das cartas de tarô: imagens complexas, sugestivas, com forte conteúdo simbólico e uso intencional da cor e das referências míticas para sintetizar cada um dos arquétipos zodiacais.

A maioria das análises das pinturas de Johfra privilegia a perspectiva espiritualista, vendo as doze telas sobre o zodíaco como expressões das etapas de um processo de iniciação e ascensão espiritual. Evidentemente, esta leitura não pode ser descartada, até mesmo em função dos vínculos do pintor com a Ordem Rosacruz (mais detalhes na análise da carta natal de Johfra). Por outro lado, o artista tinha suficiente conhecimento de Astrologia para inserir em cada tela elementos para a elaboração de um perfil psicológico do signo retratado. Esta é a linha de análise que adotamos neste artigo.

 

Áries

 

A impetuosidade é a tônica desta tela, presente tanto no carneiro que investe de cabeça baixa quanto no guerreiro que carrega a tocha. 

 

A vitalidade dessa representação é reiterada pelos tons vermelhos da paisagem e pelos vulcões ativos ao fundo. 

 

Tudo parece em ebulição, numa imagem que evoca um tempo de começos ou recomeços, onde tudo ainda está por fazer. 

 

As montanhas distantes, assim como as próprias colunas metálicas que enquadram a composição, são ricas em ângulos, pontas, espinhos, lâminas, em consonância com a agressividade do signo e com a necessidade de estabelecer um vetor de força. A paisagem nua lembra despojamento. É tempo de atividade, o repouso ainda terá de esperar.

 

Muito discretas, outras três figuras completam o conjunto de imagens arianas: a salamandra, nas pedras em primeiro plano, e, ao fundo, o casal que representa a magia e a justiça. 

 

A salamandra é a personificação mítica do fogo, sendo-lhe atribuída, na tradição medieval, o poder de manipular este elemento e também o de transmutar as emoções. 

 

O mago de capa vermelha, no canto esquerdo do plano de fundo, reitera valores arianos, num nível distinto daqueles em que atuam o guerreiro e o carneiro: o mago é aquele que manipula energias para iniciar processos. Já a mulher de olhos vendados, que simboliza a justiça, expressa aqui a contraparte de Áries: Libra, seu signo oposto.

 

Touro

 

Das doze representações zodiacais, a que mais se assemelha a uma celebração da vida natural é exatamente esta. Em primeiro plano, um guerreiro em repouso abre mão das armas, enquanto crianças brincam com seu capacete; dominando o centro da imagem, uma mulher de formas voluptuosas apoia-se sobre o touro, símbolo de fartura. Temos aí a própria deusa Vênus numa representação de notável complexidade simbólica: a mão esquerda da deusa repousa sobre o dorso do animal, enquanto a direita sustenta uma lamparina cuja luz brilha na altura da cabeça. Temos aí ao mesmo tempo uma referência à sensualidade, ao contato prazeroso com a matéria (o Touro) e às escolhas determinadas pela razão (a lamparina simbolizando aqui a luz da consciência).

O touro é branco – cor de pureza e elevação – e ao fundo veem-se outras figuras que podem ser associadas a Vênus: as pombas, o anjo, o azul do céu. Os delicados tons de verde, marron e azul falam da harmonia entre o céu e os reinos vegetal e mineral. Todos os elementos dizem respeito à vida rural, evocando um mundo arcaico e pacífico. A moldura que cerca a composição é feita de cobre delicadamente decorado, em meio à vegetação. O cobre, que também constitui a matéria-prima da rosa em primeiro plano – é o metal venusiano por definição, maleável e sempre presente na confecção de artefatos decorativos. Aqui e ali vemos raízes de árvores e partes da folhagem – formas vivas, orgânicas e estáveis capazes de dar sustentação a todo o conjunto. Neste mundo calmo, a vida triunfa em todos os sentidos, garantindo a continuidade.

Gêmeos

Em Gêmeos, todos os elementos são duplicados. Em primeiro plano, o macaco (animal regido por este signo) segura o globo terrestre, exprimindo curiosidade. O mesmo casal jovem que ocupa a parte central do quadro, empunhando o caduceu, reaparece mais acima, fundido numa figura andrógina. 

O caduceu, aliás, é considerado o emblema de Hermes (Mercúrio), sendo, portanto, um símbolo geminiano: trata-se de um bastão em torno do qual entrelaçam-se duas serpentes (duas – de novo a dualidade) e que é adornado com asas em sua parte superior (asas, lembrando o elemento Ar). 

A referência ao caduceu aparece duplicada ao fundo nas duas colunas, que sustentam o Sol e a Lua e em torna das quais dragões apoiados em nuvens enrodilham suas caudas.

No quadro de Johfra, todos os seres representados têm as mãos ocupadas, segurando algo ou apontando para algo. É a dimensão geminiana da habilidade manual e da comunicação. Outro detalhe digno de nota é que, dos doze signos, os únicos cujas representações não estão totalmente enquadradas dentro de uma moldura são Gêmeos e Sagitário. Trata-se de dois signos que expressam trocas e movimento, sendo portanto, avessos a qualquer tipo de limitação.

Câncer

As tenazes do caranguejo e sua analogia com as mãos que guardam e protegem, eis a analogia visual que Johfra estabelece para o signo de Câncer. 

 

O caranguejo (ou lagosta) parece sair de dentro de uma grande concha: ostras são animais que também podem simbolizar este signo. Tal como o comportamento de Câncer, que esconde e protege alguns de seus melhores sentimentos, a ostra se reveste de uma carapaça dentro da qual se esconde a pérola. 

 

Mais ao fundo, na areia da praia, vemos algumas tartarugas, mais um exemplo de animal que se protege sob um grosso casco. 

 

As sugestões de coisa protegida e de esconderijos se espalham aqui e ali no quadro, repetindo-se na arca cheia de tesouros, quase enterrada na areia, e no castelo à beira-mar, que vislumbramos à direita. 

 

A própria moldura que enquadra a composição lembra madeira antiga, cheia de musgo e umidade, e guarda segredos em suas múltiplas reentrâncias. 

 

Johfra enfatiza aqui o lado feminino e aquático de Câncer, signo das águas protegidas, do lodo insondável e cheio de vida, e da mutabilidade emocional que tanto pode ser associada às marés quanto às fases da Lua, que paira na figura sobre as águas tranquilas de uma baía.

 

Leão

 

Johfra vai direto ao ponto ao representar Leão como um signo associado à ideia de centralidade e de poder. Ao contrário dos quadros que retratam outros signos, aqui a figura dominante – o Leão-Sol – está nitidamente destacada, sem qualquer diálogo ou contraponto. 

 

Tudo remete à energia solar, nobre, real e generosa. “Eis como todos os grandes líderes deveriam ser”, parece querer dizer o artista (ele próprio, aliás, nascido sob uma conjunção Netuno-Júpiter neste signo). 

 

As referências solares estão presentes por toda parte: na incrível luz dourada que cobre a tela inteira, nos girassóis, na altivez das palmeiras, no coração que, do alto, se sobrepõe ao próprio sol, num símbolo muito claro da prevalência da luz espiritual sobre a energia radiosa do sol. 

 

A luz que desce do coração, ao alto, se espalha pelo peito do leão celeste e se concentra fortemente na região do baço – a mesma área que os espiritualistas chamam de plexo solar, para daí irradiar-se para toda a paisagem. 

 

Abaixo, vemos um vale verdejantes e um rio de águas limpas, enquanto o castelo de torres altas domina a paisagem. Temos aí a imagem idealizada do poder civilizador de Leão, que agrega forças em torno da autoridade e impõe o domínio que permitirá o progresso de todos.

 

Virgem

 

Ao fundo, tal como no quadro de Touro, vemos a paisagem verde, que lembra que Virgem também é um signo terráqueo. Contudo, ao contrário de Touro, aqui já se afirmam os elementos da civilização. Não é mais a natureza intocada, e sim o campo cultivado. 

Em primeiro plano, no canto inferior direito, estão livros e pergaminhos, como para lembrar que Virgem é um signo de cultura e repasse sistematizado da experiência.

Animais de diversa natureza se espalham pelo quadro, como numa síntese dos signos anteriores: ali estão o touro, o leão, o macaco, e ainda serpentes, coelhos, aves e anjos. Contudo, nenhum desses seres tem permissão para circular pelo ambiente humanizado: estão todos devidamente enquadrados na moldura da obra, uma das mais elaboradas e restritivas de todas que o artista pintou nesta série zodiacal. 

Ao criar uma moldura que inclui vegetais, animais, anjos e até mesmo nuvens, Johfra parece querer ressaltar um ponto essencial do arquétipo virginiano: o princípio utilitário que subordina todas as manifestações espontâneas a um rigoroso senso de ordem. 

A graciosa figura feminina ao centro, com o ramo de trigo na mão direita, é a vitória da civilização sobre as forças cegas do instinto. Em torno dela, o mundo se organiza, tudo ganha contorno claro e as forças da natureza e do céu se integram harmoniosamente para proporcionar progresso e bem-estar.

Um detalhe esclarecedor desta pintura: é a única, dentre as doze, onde o plano divino (a espiral de luz no alto) aparece visivelmente separado do plano humano. Isso não impede que a luz do céu chegue ao nível da Terra, mas deixa claro que o espaço de atuação da figura alada que representa o signo não é o mundo das abstrações e dos ideais, mas sim o dia a dia do trabalho.

Libra

 

Em absoluto contraste com Áries, a representação de Libra representa a vitória da razão sobre o instinto. Nenhum sinal de impetuosidade. Nada do vermelho sanguíneo e do vigor da tela ariana. 

O que vemos agora são figuras em pose hierática, em rigorosa simetria, num ambiente onde as referências à natureza – exceto pelas flores – foram quase totalmente substituídas por objetos criados pela capacidade humana.

O piso, em forma de tabuleiro de xadrez, expressa contraste: é o jogo do claro-escuro, do positivo-negativo, em torno do qual Libra vai construindo seu senso de valor e sua compreensão do mundo. 

No nível inferior, que parece servir de pórtico para outro, de natureza mais celestial, vemos duas esfinges em cores complementares. As esfinges submetem o homem ao desafio intelectual, exigindo maturidade para o alcance de níveis mais elevados. Se alcançá-lo, o homem se defrontará com valores cada vez mais abstratos, simbolizados pela balança que paira nas nuvens: os juízos éticos, morais e filosóficos que lhe permitirão distanciar-se da falta de clareza das questões humanas.

A pintura de Johfra destaca em especial a impessoalidade de Libra, assim como o caráter marcadamente mental deste signo. Basta observar que, das doze telas, apenas três apresentam uma figura central que não se apoia diretamente no chão: Leão, Aquário e Libra.

Johfra inseriu em todas as pinturas desta série símbolos oriundos das várias tradições herméticas conhecidas na Europa, que ele conhecia muito bem. Em nenhuma das telas, porém, essa tendência se manifesta de forma tão evidente quanto nesta, referente a Libra. 

Não vamos nos deter neste ponto, já que não é objetivo do presente artigo ir além da observação puramente astrológica. Cabe apenas dizer que é possível fazer da tela representativa de Libra ao menos outras duas leituras, uma com base na simbologia do tarô e outra de fundo rosacruz. Para os interessados nessas linhas, Johfra é sem dúvida um prato cheio.

Escorpião

 

Não é preciso muito esforço para perceber que esta imagem representativa de Escorpião nos lembra outra: exatamente a de Áries, que abre esta série. 

Escorpião também é um signo regido por Marte (e modernamente por Plutão), o que explica os tons vermelhos da pintura, a impressão de ressecamento, de calor e de agressividade. 

Tal como em Áries, as pontas cortantes aqui também estão presentes, mas com aparência ainda mais perigosa: por toda a paisagem, lá estão as lâminas recurvadas, como a cauda venenosa do escorpião. Tudo na cena sugere riscos e dificuldades. Não estamos diante de um espaço de repouso, mas sim de um campo de batalha.

Num nível psicológico, Escorpião simboliza o momento de máxima tensão emocional, em que o indivíduo é obrigado a confrontar-se com seus próprios monstros interiores. 

As alternativas são extremas: cair nos abismos pessoais mais profundos – representados na figura pelo lago de enxofre sobre o qual o escorpíão se debruça – ou transmutar os aspectos mais sombrios da realidade emocional para emergir renovado, num processo de renascimento. Esse processo de resgate é simbolizado de várias formas: na pedra que o escorpião consegue recuperar do lago sulfuroso, na criança brincando com o crânio humano (uma imagem de morte e renascimento) e, principalmente, na figura de São Jorge – uma representação inequivocamente vinculada a Marte – matando o dragão.

A outra dimensão de Escorpião – a águia caçadora – também está presente, pairando sobre a paisagem árida onde vemos também um homem em processo de meditação. Tanto a águia quanto o asceta estão aqui para falar da paz que sobrevém após a vitória sobre si mesmo, meta última deste signo convulsionado.

Sagitário

 

Sagitário é o signo onde Johfra tinha o Sol e o Meio do Céu. Portanto, não é de estranhar que ele fosse especialmente sintonizado com o simbolismo jupiteriano, que aqui aparece de maneira mais do que evidente. Em primeiro plano vemos a figura de um centauro arqueiro, que mira alguma coisa distante e elevada, fora de nosso alcance. 

A direção apontada pelo movimento da flecha converge para a trajetória do raio emitido pela figura divina que ocupa a porção superior: Zeus, ou um deus de natureza semelhante, entronizado e poderoso.

Mais abaixo, aos pés da pedra que serve de mirante para o centauro, vemos outra figura mítica ligada a Sagitário: o unicórnio branco, símbolo de pureza e sempre associado, nos tempos antigos e medievais, à virgindade. Talvez Johfra queira nos dizer que somente a pureza de princípios permitirá ao homem vivenciar a metade mais nobre do centauro, aquela capaz de abrir novos horizontes de conhecimento e estabelecer uma ponte de contato com o invisível.

Mais ao fundo, caminhando ao ar livre, mais uma figura sagitariana: o buscador que explora o mundo das formas (como peregrino ou viajante) ou o mundo das ideias (como filósofo) atrás de respostas para as grandes interrogações cósmicas.

Nenhuma das telas transmite, como esta, uma impressão tão forte de amplitude, liberdade e ausência de limites. Esta é a essência de Sagitário.

Capricórnio

 

As rochas secas e pontiagudas, a paisagem destituída de qualquer vegetação, estão em ressonância com a figura humana sentada na entrada da caverna, portando a foice. Trata-se do ceifador, uma das representações mais comuns para a morte na cultura ocidental. Contudo, não é exatamente o fim da vida que esta foice representa, mas a distinção entre o que é essencial e acessório. Por isso, não há elementos decorativos na paisagem ressecada: tudo está reduzido ao estritamente essencial, à estrutura última, ao núcleo duro que resiste após o processo de destruição. “A sabedoria é minimalista”, é o que parece dizer Johfra através deste quadro.

A presença da cabra, nobre e orgulhosa no topo da elevação, fala do impulso capricorniano para a ascensão solitária. 

Aqui e ali, vemos adultos e crianças, que saúdam o líder e brincam entre serpentes e jacarés. O mundo de Capricórnio é feito de perigos e rudezas, mas é possível sobreviver, desde que não se perca tempo com as aparências. E, na cabra e no velho eremita, vemos as duas dimensões deste signo terráqueo: os representantes do poder material, que criam estruturas hierárquicas e se instalam nos postos de comando para garantir a sobrevivência do grupo, e o sábio experiente, que abre mão de qualquer glória mundana para alcançar a paz através da interiorização.

Lembrando que Capricórnio é, no hemisfério Norte, um signo invernal, observamos que o Sol está presente nesta imagem, mas de forma indireta, iluminando e aquecendo fracamente as figuras centrais. Temos aí o contraste: enquanto em Leão vemos o exercício do poder em tempos de abundância, em Capricórnio testemunhamos a administração da escassez, com a afirmação dos valores de economia, parcimônia e planejamento.

Aquário

As águas – ou as ondas – do conhecimento vertidas generosamente sobre todos os homens: eis o que Johfra destaca no último dos signos do elemento Ar.

Em todos os quadros da série, o artista lançou mão de alguma forma de moldura ornamental que, além de contribuir para a composição, carrega também elementos simbólicos importantes, que contribuem para a compreensão do signo representado. Já vimos que apenas as telas de dois signos – Gêmeos e Sagitário – não contam com uma moldura que circunscreva totalmente a figura central. Em Aquário, essa moldura está presente, mas ela é feita do mesmo material que flui do cântaro do Aguadeiro: é uma substância fluida como vapor d’água, que interpenetra todos os espaços e se distribui igualmente por todos os elementos da composição. Aí percebemos uma das principais características aquarianas: aquilo que o signo irradia é para todos, sem distinção. É a força das ideias novas que cai como chuva, fecundando as consciências ávidas por mudança (as sete flores na parte inferior da figura) e produzindo o florescimento de concepções mais avançadas de organização social.

Como para lembrar que Aquário é o signo oposto e complementar a Leão, vemos aqui mais uma vez o Sol, desta vez humanizado numa aparência inteligente e benfazeja. Abaixo do Sol, e à esquerda do Aguadeiro, uma caveira serve de portal para o trânsito entre dois planos. A caveira nos lembra que Aquário também é regido por Saturno, como Capricórnio, e o viajante que acaba de cruzar o portal, no rumo da montanha iluminada, ao fundo, carrega elementos tanto do buscador sagitariano quanto do eremita capricorniano, vistos nas telas anteriores.

Peixes

 

O que mais chama a atenção neste quadro é o contraste entre a figura máscula ao centro e a doçura com que protege os dois peixes, os quais, unidos pela boca, tentam nadar em direções divergentes. Talvez o que Johfra tenha tentado destacar nesta representação do signo de Peixes seja a possibilidade (e a necessidade) de chegar a uma síntese de todas as contradições através do caminho do afeto. 

Aqui a figura central, que talvez seja o próprio deus Netuno, não parece propor uma escolha entre os dois peixes, nem demonstra qualquer preferência. Apenas dá sustentação a ambos e envolve-os com um gesto circular, como se estivesse a indicar que os conflitos se resolvem através do movimento. Protegidos pelos braços que delimitam sem sufocar, os dois peixes logo poderão trocar de posição, e depois outra vez, num fluxo interminável.

Tudo nesta pintura, aliás, remete às noções de circularidade e movimento. A superação dos limites não ocorre aqui pela expansão de horizontes, como em Sagitário, mas pela fluência de conteúdos, que leva os polos complementares (os dois peixes) a uma progressiva fusão.

O lugar onde esta cena se passa é totalmente indeterminado: pode ser o fundo do mar ou um espaço onírico, mas certamente não faz parte da realidade conhecida. Das doze pinturas, esta é a única que não retrata qualquer artefato produzido pelo homem, ou que remeta a uma paisagem “civilizada”.

* Fernando Fernandes

Publicado em ASTROLOGIA E ARTE