Os Homens de Espírito Livre


Os homens de espírito livre, não vivem mais que para o conhecimento e a busca da verdade, por isso chegarão logo à meta extrema de sua existência, a sua situação definitiva diante da Sociedade e do Estado a que pertencem. Para eles, também, cada página lida é um passo a mais à liberdade. Declarar-se-ão com gosto, satisfeitos quando contém com um pequeno emprego ou com o suficiente para viver, porque sabem sucumbir nas vicissitudes da vida, de forma que uma grande mudança nas finanças públicas, ou inclusive, uma profunda comoção da ordem político, não os arrastará ao abismo da ruína.

Os homens de espírito livre dedicam a todas estas coisas que são os vai-e- vem do destino à menor energia possível, para submergir-se com todas suas forças reunidas e com todo o ar que cabe em seus pulmões no oceano do conhecimento e busca da verdade, pois uma vez achados, sabem que o resto se os darão por acréscimo. Assim, adquirem a capacidade para descender o suficiente e talvez até inclusive vir ao fundo, acariciar o lodo e voar sobre o pântano, para desta maneira, abnegados ao sublime, trabalhar pelos cimentos da vida, com convicção de que esta ação não é outra coisa mais que descender um pouco, para elevar algo mais à humanidade.

Os homens de espírito livre são também de talento, de caráter e temperamento superiores, pois a grande obra de suas vidas é a construção de si próprio. Mas tampouco, essa grande obra de suas vidas que é a construção de si próprio, é em si mesmo, já que o fim ou a finalidade delas está constitutivamente chamada, em um conceito ou ideia elevada de vida, a realizar um sentido, uns valores, umas possibilidades. 

A vida dos homens de espírito livre está chamada, e sua responsabilidade em dita tarefa é a resposta. Tanto assim que eles não são o fim de si mesmos, pois tanto suas finalidades como seus fins estão mais além deles, os homens de espírito livre se constroem na medida em que se descentralizam e se dá pelos outros na realização de um horizonte de sentido, um sentido que vão descobrindo e que está mais acima deles. Assumir com responsabilidade aquilo que amam, que sentem e o que sofrem, é o caminho à realização daquele horizonte.

Os homens de espírito livre são cada um, um conjunto de capacidades: linguística, comunicativa, intelectual, de relação, afetiva, de ação, física, psicomotora, moral e de gestão da própria vida, mas também são o que lhes têm dado a educação, o entorno pessoal, e, sobretudo, eles “são” porque primeiramente têm sido amados, pois são um “dom” criado pela suprema inteligência do universo, receberam um material bruto, um pacote para eles mesmos, logo, cada um vai esculpindo sua própria estátua, sua pessoa. 

Por tudo isso, o resultado final depende do que cada um deles faz com o que tem recebido, eles não são, portanto, o que a vida tem feito deles, se não o que eles têm feito com o que a vida lhes tem dado. Também eles são finidade, limitação espacial e temporal, carregam com culpabilidade, sofrimento e morte, e está aqui seu desafio: trocar o sofrimento em tarefa pessoal, a culpa em ocasião de crescimento e de conversão, e a morte com tomada de consciência da fugacidade do próprio tempo, de que cada dia é único, de que cada ocasião é exclusivo. 

Conhecem, pois, os dias de trabalho com sua falta de liberdade, sua dependência e sua serventia, por ele necessitam de vez em quando ver chegar um domingo de liberdade, de outra maneira não suportariam as vicissitudes da vida, pois eles não vivem para trabalhar, tão pouco trabalha para viver, eles, vivem para o progresso. É possível que até seu amor aos humanos seja prudente e de curto fôlego, porque não se embarcam no mundo cego das inclinações, se não na medida em que precisam para o conhecimento e advento da verdade.

Os homens de espírito livre não gostam de levar mais de um centímetro de roupa de um acontecimento, porque não gostam das coisas em toda a extensão e pormenor da sua roupa, para não se enredarem nas suas dobras. Ao longo da sua vida, sabem que, no fim do caminho, não poderão levar deste mundo mais do que aquilo que podem levar de um sonho, um sonho realizado com paixão na sua alma. Há na sua maneira de viver e de pensar um heroísmo refinado que se recusa a entregar-se ao mundano, como fazem os mais vulgares à veneração das massas.

Os homens de espírito livre atravessam o mundo com a mesma tranquilidade com que o deixam. Embora atravessem alguns labirintos e passem por entre rochas que por vezes lhes estreitam o caminho, logo que encontram a luz, prosseguem de forma limpa, leve e quase silenciosa, deixando os raios de sol penetrarem até ao mais profundo do seu ser, pois sabem também que até os desertos florescem depois das tempestades. 

Avançam no caminho da sabedoria, com passo firme, com toda a sua confiança no alto. Onde quer que estejam, recorrerão à sua própria fonte de experiência, pois sabem que não há melhor profeta para o futuro do que o seu próprio passado. Sabem que aquele que vacila na vida está perdido, pois o mundo inteiro é impelido pelo progresso. Sabem que quanto maior é o obstáculo, maior é a glória de o ter ultrapassado. Sabem que o sofrimento torna o ser humano lúcido, e o mundo claro.

Os homens de espírito livre não desdenham ser ainda religiosos, ainda admiradores da arte, pois é preciso ter amado a religião e a arte como se ama a mãe e a ama de leite, senão não se chega à sabedoria, assim também é preciso olhar mais longe do que eles, é preciso olhar acima da religião e da arte, pois permanecer sob o seu mau encanto seria não as compreender. 

Do mesmo modo, a história é-lhes familiar, tal como o sábio jogo da balança, e o pêndulo das suas vidas descobre todo o sentido que ainda faz um verdadeiro acesso à arte, uma conduta consagrada à religião, pois estão gratos a essas experiências para poderem reconstituir e compreender melhor as imensas etapas da humanidade que os precederam, pois foi nesse terreno de pensamento confuso que brotaram os mais belos frutos das suas culturas antigas. 

É por isso que eles refazem os seus passos e caminham nas pegadas deixadas pela humanidade ao longo dos tempos, através do passado glorioso, e assim estarão mais seguros de reconhecer a direção em que a raça humana não pode ou deve ir no futuro. E enquanto concentra as suas forças em descobrir antecipadamente como o futuro está a ser atado, a sua própria vida, as suas tentativas e erros, as suas faltas, as suas ilusões, as suas paixões e amores, e as suas esperanças estão perfeitamente integradas no objetivo que se propuseram, no horizonte de sentido que estabeleceram para si próprios, ou seja, tornarem-se elos necessários da cadeia cultural universal, fundidos em pensamentos de redenção, igualdade e fraternidade.

O homem de espírito livre é aquele que constrói, que se esforça a cada momento para construir as coisas, a pessoa, a vida. 

O homem de espírito livre é aquele que trata todas as pessoas não como elas são, mas como todos nós gostaríamos que elas fossem, não pelo que elas são, mas pelo que elas são chamadas a ser. Na vida do homem de espírito livre não há tragédias, mas apenas o inevitável que é o transitório, tudo tem a sua razão de ser, pois ele distingue o transitório do definitivo, o transitório na vida é o inevitável, e o definitivo são as lições do inevitável. 

Para o homem de espírito livre, a maior diversão da vida é a busca da verdade, o maior tesouro é o conhecimento, e ele sabe que não há uma, mas muitas verdades, que só com perseverança paciente é possível encontrá-las, e que cada uma das verdades prevalecerá num momento exato, além do qual deixará de existir.

O homem de espírito livre sabe que a história nunca se lembrará dos outros que deixam as coisas como estão, e por isso eleva a sua oração ao alto para exclamar: “Senhor Deus, dá-me a serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar, a coragem para mudar as coisas que posso, e a sabedoria para reconhecer a diferença”.

O homem de espírito livre sabe que toda a obra de Deus na história da humanidade é a libertação, por isso não diz quão grandes são os seus problemas, mas diz aos seus problemas quão grande é Deus. E se a adversidade persiste na sua situação, ele não baixa os braços nem os cruza, porque sabe, no mais profundo do seu ser, que o maior homem do mundo MORREU COM OS BRAÇOS ABERTOS.

Desta forma, a vida do homem de espírito livre acaba por valer o que valem as fidelidades a que se entregou na sua vida, pois esta vida serviu para viver, tendo feito dela uma resposta contínua e perpétua ao apelo do sentido, ao apelo da vida, ao apelo da humanidade.

O homem de espírito livre deixa-nos a seguinte mensagem: “Quando a introspeção do teu olhar for suficientemente penetrante para atingir as profundezas dos poços escuros do teu ser e do teu conhecimento, podendo também vislumbrar no espelho da sua superfície as constelações longínquas das culturas futuras, pensas que uma vida orientada para este objetivo é demasiado dolorosa e desprovida de prazer? Então ainda não aprendeste que não há mel mais doce do que o do conhecimento, e que chegará o dia em que essas nuvens que te enchem de tristeza serão também a teta de onde tirarás o leite do teu sustento. Que venha o tempo, e verás que realmente ouviste a voz da natureza, daquela natureza que governa o mundo inteiro através do prazer; pois a mesma vida que culmina na velhice culmina também na sabedoria, no doce brilho daquele sol que é uma alegria constante para o espírito livre; tanto a velhice quanto a sabedoria tu encontrarás unidas em um único e mesmo cume da vida, como a natureza quis. Então chegará o momento em que a névoa da morte se aproxima, e não precisas de te irritar com ela. 

Que o teu último gesto seja o de te lançares para a luz, e que o teu último suspiro seja um hurra para o conhecimento e outro para o advento da verdade.

ALEJANDRO PEÑA YEGROS
Aug.: e Resp.: Loj.: "PITAGORAS" Nº 17
Or.: de Asunción, Grande Oriente de Paraguay.