Páscoa e Pandemia

Que estranha ironia: a Páscoa, que simboliza a crença na ressurreição, sendo vivenciada por nós no exato tempo em que vivemos no Brasil o momento mais agudo de uma mortífera pandemia.

Celebrar a Páscoa num contexto de tantas mortes faz com que a ideia da ressurreição torne-se mais visível e desafiadora. Remete-nos não apenas aos que morreram, mas nos leva a pensar a ressurreição como a experiência de renovação dos que ficam vivos.

Porque voltar a viver e reconstruir a vida na ausência de uma pessoa amada é uma experiência que toma também um sentido de ressurreição.

O trabalho do luto é, afinal, um lento processo de ressurreição de quem ficou vivo a chorar a morte de alguém. Uma esposa ressuscitar após a morte do seu marido, um filho ressuscitar após a morte de sua mãe, um pai ressuscitar após a morte de um filho amado.

A vida, portanto, é um movimento constante de ressurreição diária de quem está vivo. É uma ressurreição uma ressurreição dolorosa, que traz as marcas da pessoa que se foi e que não será esquecida, mas é também uma ressurreição em direção à continuidade da vida.

A Morte retira-nos a presença física, mas não leva embora as histórias de afeto, não destrói o amor deixado como herança, nem tem poder suficiente para romper a conexão entre os que ficam e pessoa que se vai.

Estas histórias de conexão entre os mortos e os vivos são o caminho para esta ressurreição, porque as histórias são feitas de vida. As histórias só existem porque houve vida para viver cada história que foi vivida.

Ressuscitar em vida é deixar de olhar apenas para o que foi perdido e, aos poucos, passar a contemplar também o que foi mantido, as histórias, as conexões, as esperanças, os valores, tudo que a Morte não conseguiu levar embora.

Que a Páscoa nos seja inspiração e força para vivermos este momento.

João David C. Mendonça

Psicólogo