Pérolas em Lojas Maçônicas

As pérolas têm origem biológica e são produzidas por alguns moluscos, as ostras e mexilhões, em reação a corpos estranhos que invadem os seus organismos, como vermes ou grãos de areia, provocando um tipo de irritação e, ao defender-se do intruso, segregam uma substância branca, brilhante e rica em calcário, o nácar ou madrepérola, que ataca esse agente, cristalizando-se rapidamente, dando origem a um material geralmente esférico.

Apreciadas desde a Antiguidade, com referências que datam de cerca de 2000 anos a.C., simbolizam a pureza e a beleza. Há registros de que durante a Idade Média, nos séculos XIII e XIV, o uso de pérolas era restrito, em muitos países europeus, à aristocracia por força de lei, como símbolo de poder e de riqueza, sendo usadas como adorno nas mais valiosas joias da época.

Variadas são as interpretações simbólicas sobre o processo de formação das pérolas, notadamente quando vistas como o resultado de um processo de cura decorrente de um sofrimento doloroso. Ensina Rubem Alves que “ostra feliz não faz pérola”. Segundo esse autor, “isso é verdade para as ostras e é verdade para o ser humano”.

A presente reflexão derivou-se do conselho de um provecto irmão que se diz calejado e não se surpreende mais com o inusitado. Segundo ele, conforme a situação da Loja, é melhor não argumentar quando a gestão do momento não se abre nem sequer se mobiliza para o incremento dos conhecimentos ou incentivo aos debates e integração, limitando-se a inibir manifestações nesse sentido e a focar apenas na ritualística, às vezes alterando-a a seu bel-prazer, muitas vezes sôfrega e claudicante.

“É como lançar pérolas aos porcos”, afirma ele, “não devemos gastar nosso tempo em produzir trabalhos que causarão mais desconforto do que satisfação, pois não estão ainda prontos para ouvir e debater”, e arremata: “pode ser que na próxima administração tenhamos espaço para contribuições”.

Em Mateus 7,6 Jesus alerta:

“Não deis aos cães as coisas santas, nem deiteis aos porcos as vossas pérolas, não aconteça que as pisem com os pés e, voltando-se, vos despedacem.”

Na alegoria bíblica, porcos e cães eram associados à impureza e ao perigo. No contexto bíblico, a referência envolvia pessoas resistentes ao evangelho que lhes era pregado. Assim, jogar uma pérola ao porco poderia ofendê-lo como se tivesse sido atingido por uma pedra. O gesto de dar pérolas aos porcos pode significar gastar o que temos de precioso com quem não aprecia ou recusa nossa ajuda.

Conforme ensinam nossas instruções, em Loja devemos ser sempre participativos, focados e dedicados aos estudos e aos projetos e atividades sociais aprovados pelos obreiros. Porém, em determinados momentos nossos esforços podem causar mais incômodo do que benefícios, quando a direção da Loja não se orienta pelo trabalho em equipe, não entrega valor aos membros da Loja, interdita ideias e as decisões ficam sempre restritas ao gestor principal, que exclui os demais por deficiências nas habilidades de condução dos trabalhos.

Alguns dirigentes, por insegurança, partem da premissa de que os irmãos mais experientes representam ameaça à sua gestão e tremem diante de seus prestígios e reconhecimentos no meio maçônico, chegando, em determinadas situações, a simular uma pretensa superioridade intelectual e sugerir que os mesmos se recolham, “cada um, às suas próprias insignificâncias ou que forneçam orientações prudentes, da qual se acham donos, para que não sejam criticados”, conforme mensagem direcionada a velhos mestres de uma determinada Oficina longínqua. É cediço que, quando a Coluna da Sabedoria abdica de suas atribuições, abre-se espaço para a intolerância e rupturas.

Gestores com esse perfil procuram apenas e tão-somente desfrutar do prestígio do cargo e a exercer naturalmente o autoritarismo, fomentando a desconfiança, a desagregação, em especial o conflito entre gerações, por acreditarem que os mais velhos, alguns referenciados por eles como “decorebas” de rituais e de poemas, são vazios de conhecimento e sabedoria e não têm mais como contribuir e os mais jovens nada com eles a aprender e muito a ensinar-lhes. E pasmem, a depender do perfil de um candidato em especial, atrevem-se a insinuar que a Loja não tem Mestres com estofo suficiente para orientar aquele “tal” de currículo supremo e lustroso que, já deveria, de plano, ser Iniciado, Elevado, Exaltado e quem sabe, conduzido ao Veneralato!

Em muitas situações, esses gestores demonstram favoritismos, impõem suas decisões sem discussão em Loja e promovem o cancelamento dos que porventura representem alguma ameaça. Nesse sentido, merece destaque um depoimento colhido em uma reunião de estudos por videoconferência onde a venerabilidade teria se regozijado, em evento social, de que teria tido sucesso em silenciar algumas estrelas da Loja por ele consideradas decadentes. E é essa postura desafiadora que os acalentam. Normalmente, não zelam pela harmonia, pelo diálogo e pela construção, e sentem certa atração pelo caos, olvidando que o bom legado de cada gestão é que dá sustentação para a caminhada dos obreiros e o fortalecimento da Oficina.

Nesse cenário burlesco, não faltam os que sempre aplaudem e compõem um grupo exclusivo de aduladores, incentivadores desse tipo de comportamento, que outro irmão irreverente e certeiro nas curtas mensagens classifica de “babaovistas” (derivado do pejorativo baba-ovo), atributo dos bajuladores contumazes. Isso para não falar daqueles que, por conveniência ou pusilanimidade mesmo, mantêm-se “em cima do muro” ou só querem receber paparicos. Esses, respaldando-nos na lição de Rubem Alves, não sofrem e não produzem pérolas.

Para ilustrar, citamos o exemplo de uma manifestação em um grupo de conversas de uma hipotética Loja de Oriente distante, quando o Venerável, resistente aos avanços tecnológicos, pouco afeito à liturgia do cargo e usuário do malhete como porrete, afirmou que não haveria reunião por videoconferência durante sua gestão: “Perfeeeiiito! Concordo plenamente com o nosso poderosíssimo e amantíssimo Venerável”, postou em áudio um irmão chegado a superlativos. Outro apoiador sentenciou: “comentários a respeito de instruções maçônicas somente em sessão ritualística, fora disso é uma excrescência”. Seguiu-se silêncio obsequioso, observando-se a conveniente prudência, segundo a fonte.

Prossegue o desabafo. Um “iluminado conselheiro para as Lojas dos outros”, teria ainda perguntado: “mas os demais não fazem nada, acatam simplesmente?” Redarguiu o irmão: “quem tenta argumentar leva pancada de bate-pronto e é tachado de pavão e convidado a recolher as plumas, com o lembrete de que a porta da rua é serventia da casa, além de outros devaneios, recados tortos e ironias, estas notadamente dirigidas aos associados de Lions, Shriners ou aos que chegaram ao topo da pirâmide. Então é melhor ser paciente e exercitar a tolerância, pois essa gestão passará logo e, pelo visto, deixará um histórico de desacertos, mágoas e baixas no quadro de obreiros!”. Nesse contexto, nunca se mostrou tão consistente a frase indevidamente atribuída a Abraham Lincoln: “Quer conhecer o caráter de uma pessoa? Dê-lhe poder!”. Mutatis mutandis, in casu, um malhete.

Mas, questiona-se: é isso mesmo? Dúvida de um jovem e perplexo Aprendiz:

“Existe um balcão de reclamações na Maçonaria? De preferência anônimo, para evitarem-se eventuais constrangimentos e não atrasar ainda mais a minha Elevação? [no caso foi utilizada a linguagem dos videogames: ‘passagem de fase’].”

Sabe-se que nos bastidores dessa improvável Loja o assunto continuaria rendendo, ao amparo do “truquezinho do entre colunas”. Dizem que chegou a ser cogitada uma DR até o fim da gestão, da qual não se tem notícias.

Se o irmão teve perseverança para ler até aqui e não se lembrou de nenhuma situação semelhante (Glória a Deus!), que fique bem claro que esta prancha não tem endereço específico e nem pretende dar conselhos ou dizer o que os componentes dessa ou de outras Lojas devam fazer em tais situações, caso venham a ocorrer, o que não acreditamos. As Lojas são autônomas quanto à gestão. Por outro lado, cautelarmente, qualquer eventual semelhança com a realidade, como sempre, terá sido mera coincidência mesmo. A proposta é apenas a de suscitar reflexões. Quem sabe dar origem a uma nova e valiosa pérola.

Enfim, na condição de maçons, o exemplo que precisamos ter sempre em nossos corações são as palavras de Tertuliano (c.160 – c.220) a respeito dos primeiros Cristãos, onde o afeto fraterno chamava a atenção dos pagãos, que assim a eles se referiam: “vejam como eles se amam entre eles” (Vide, inquint, ut invicem se diligant). 

“Uma palavra escrita é semelhante a uma pérola.” (Goethe)

Márcio dos Santos Gomes

Loja "Águia das Alterosas" Nº 197 - Grande Loja Maçônica do Estado de Minas Gerais (GLMMG)

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