Quando eu me encontrei...

"Você se encontra quando para de se procurar em outras pessoas, quando deixa de basear sua felicidade em alguém que não seja você mesmo, quando se aceita como é, em toda a luz e toda a escuridão que definem a sua existência."

Mesmo que já tenhamos alcançado certos confortos nos vários setores de nossas vidas, permanecem, dentro de nós, inquietudes que nos afastam de conformismos paralisantes. É bom almejarmos novas e melhores conquistas, porém, caso sejamos tomados por insatisfações permanentes em relação a tudo, acabamos inevitavelmente adoecendo e nos afastando da gratidão necessária frente ao que já é nosso. Não há quem possua a totalidade do que se deseja. Antes de tudo, é preciso encontrar-se.

Você se encontra quando cobra menos de si mesmo, quando tem clareza sobre as próprias limitações e dimensiona as expectativas de acordo com o real possível. Sonhar faz bem e nos alimenta a alma, mas é preciso que os altos voos a que nos lancemos não nos percam do chão debaixo de nossos pés, pois a realidade sempre nos cobrará o seu enfrentamento, mais cedo ou mais tarde. E essa batalha com o que fizemos só poderá ser travada em nível real e consciente.

Você se encontra quando consegue rir de si mesmo, percebendo-se como o ser falível que todos somos. Estaremos sujeitos a equívocos, em casa, no trabalho e na rua, portanto, os erros devem ser vistos como uma nova chance de recomeçar, refletidamente, e de acertar - ou mesmo de errar de novo e assim reaprender, continuamente. Nunca é tarde para aprender, para receber o novo, e isso faz uma diferença descomunal em nossas vidas.

Você se encontra quando se perde, quando se desvia dos caminhos seguros e dá de frente contra o muro das consequências. Caminhar somente em linha reta pode ser mais tranquilo, mas, sem sombra de dúvida, limita nosso campo de visão, bem como as possibilidades de experenciar o novo, o desconhecido, para que possamos superar os entraves explorando as potencialidades que temos dentro de nós, aprimorando-nos em nossa capacidade de sobreviver às intempéries. Dessas batalhas retornamos fortalecidos, mais maduros, mais gente.

Você se encontra quando se doa, quando consegue agir além dos limites do próprio mundinho, enxergando a amplidão de pessoas e de horizontes que existem além de si próprio. Perceber-se parte integrante de um todo coletivo ajuda-nos a abrir mão de conquistas unilaterais, para que visemos, da mesma forma, a avanços coletivos. É necessário almejarmos também a felicidades que se estendam a quem nos circunda, no sentido de que nossa interação com o outro seja harmônica e prazerosa.

Você se encontra quando ama verdadeiramente, quando aceita o que o outro tem para trazer ao seu encontro. O amor é combustível, é reduto, é segurança, fé e serenidade, tudo de que precisamos para nos equilibrarmos diariamente entre nossas escolhas e suas consequências. O amor nos habilita a respirarmos ares compartilhados com quem nos é vital, a dividirmos somando, acrescentando, sem medo, sem mentira.

Você se encontra quando é fiel às amizades, à família, às suas convicções, não fugindo à própria essência por conta de vaidades ou interesses escusos. A fidelidade nos assegura a certeza de que jamais nos perderemos nas escuridões de nossa solidão, sem que tenhamos mãos amorosas nos amparando a cada queda, a cada perda, a cada lágrima.

Você se encontra quando para de se procurar em outras pessoas, quando deixa de basear sua felicidade em alguém que não seja você mesmo, quando se aceita como é, em toda a luz e toda a escuridão que definem a sua existência. Ninguém completará o que nos falta, ninguém conseguirá lidar com o vazio; ou seja, temos que já ter conteúdo, algo que possa ser trabalhado, para que possamos lidar com o mundo lá fora e com as paixões que nos avassalarão pelos caminhos.

Antes de nos lançarmos ao mundo, portanto, é preciso que caminhemos ao encontro de nós mesmos, de nossos sonhos, desejos e aspirações, burilando nossa essência bruta, no sentido de nos tornarmos seres humanos plenos e felizes. Quando estamos seguros quanto à nossa própria identidade, estamos prontos para superar obstáculos, obter conquistas e compartilhar vidas.

Caso caminhemos com meias verdades, tudo o mais estará pela metade, incompleto. É preciso que vivamos inteiros para podermos nos abrir às inúmeras possibilidades de buscar a felicidade que se descortinam à nossa frente diariamente. Todos temos o direito de sermos felizes, assim como todos temos o dever de sermos verdadeiros. Ou isso, ou a incompletude - a escolha é somente nossa, de ninguém mais.

publicado em recortes por Marcel Camargo.