Reflexões sobre a vaidade dos homens


De todas as paixões humanas, a que mais se esconde de seu portador é a vaidade: e se esconde de tal forma, que de si mesma se oculta, e ignora. A vaidade é como um instrumento de visão, um jogo de lentes, que faz com que vejamos nossos defeitos pequeninos, como se estivessem a uma distância imensa, ao mesmo tempo que aproxima da nossa vista os defeitos dos outros para que os enxerguemos muito maiores do que são.  Por isso trazem os homens entre si uma contínua guerra de vaidades, e conhecendo todos a vaidade alheia, nenhum conhece a sua própria. A nossa vaidade é o que nos torna insuportáveis aos demais, que a enxergam sempre aumentada através das lentes de suas próprias vaidades. O contrário também é verdadeiro, por isso, quem não tivesse vaidade não se importaria nunca que os outros a tivessem.

Vanitas vanitatum, et omnia vanitas. (Ecl. 1:2)

Dizem que os gostos e desgostos não são mais do que a imaginação, porém melhor seria dizer que gostos e desgostos não são mais do que vaidades. Fazemos consistir o nosso bem estar no modo com que os homens olham para nós, e no modo como falam de nós. Necessitamos da aprovação dos outros para nos sentirmos bem e assim nos fazemos dependentes das ações e dos pensamentos dos demais homens. Quando cremos que eles nos aprovam isso nos dá gosto e quando imaginamos o contrário, a mesma vaidade que nos elevou antes, agora nos perturba e inquieta.

A imaginação desperta e dá movimento à vaidade, por isso esta não é paixão do corpo, mas da alma. Não é vício da vontade, mas do entendimento, pois depende do discurso. Daqui vem que a mais forte, e a mais vã de todas as vaidades é a que resulta do saber, porque no homem não há pensamento que mais o agrade, do que aquele que o representa como superior aos demais, e principalmente superior no entendimento, que nele é a parte mais sublime. A ciência humana! Ah, a ciência humana! O mais longe que chega a ciência humana é ao conhecimento de que nada se sabe: é ao saber o quanto se ignora sobre tantas coisas; e assim vem a ciência a fazer a vaidade da ignorância - triste vaidade.

Que são os homens além de pequenos personagens em uma breve peça de teatro? Tudo neles é representação, que a vaidade guia. A fatal revolução do tempo, e o seu curso rápido, que coisa nenhuma pára, nem suspende, tudo arrasta, e tudo leva consigo ao profundo de uma eternidade. Neste abismo, onde tudo entra, e nada sai, vão se precipitar todos os sucessos dos homens, e com eles todos os seus impérios. Os nossos antepassados já vieram, e já foram: e nós daqui a pouco vamos ser também antepassados dos que hão de vir.

As vaidades se renovam, a figura do mundo sempre muda, os vivos e os mortos continuamente se sucedem, nada fica, tudo se acaba. Só Deus é sempre o mesmo, os seus anos não têm fim, a torrente das idades e dos séculos corre diante de Seus olhos, e Ele vê a vaidade dos mortais que, enquanto vão passando, ainda O insultam e se servem desse breve e passageiro instante de vida para O ofenderem através de seus atos vis e desprezíveis. Miseráveis homens, gênero infeliz, que neste breve momento preparam a sua própria reprovação, pois tendo cultivado a vaidade, esta lhes faz parecer que tudo sabem, porque sobre tudo meditam e tudo podem prever, só não conseguem entender que tudo é vaidade - todos nós viemos do pó, e ao pó voltaremos.

Vivemos com vaidade e com vaidade morremos. Mesmo sendo nosso tempo de vida limitado, nossa vaidade não tem limite porque dura mais que nós mesmos, se mantendo viva nos aparatos de nossa morte, nos nossos mausoléus. 

Como último recurso para subsistência da vaidade além de suas forças, os homens confiam aos mármores a tarefa de fazerem seus nomes imortais. Que frívolo cuidado! Os tristes restos daquilo que já foi um homem repousam em soberbo domicílio que a vaidade edificou para habitação de uma cinza fria cujo nome e a grandeza declara a inscrição em letras douradas.

Baseado na obra de Mathias Aires “Reflexões sobre a vaidade dos homens”.

Fraternalmente,
Wallace Lima