Sobre Retórica, Lógica, Emoções, Racionalidade e Nós
Palavras em outros idiomas, por vezes, expressam melhor o que queremos dizer; é o caso de plantear [1], muito usado na língua espanhola; embora, o vocábulo também exista na língua portuguesa, praticamente não o vejo em uso; talvez os irmãos engenheiros e arquitetos tenham mais intimidade com o vocábulo.
Mas o que isto tem a ver com a intenção de vos estimular a um instante de meditação?
É que nem sempre a nossa última Flor do Lácio [3] é tão generosa na pureza dos significados.
Plantear [1], embora, segundo os dicionários [2] de português, signifique desenhar, traçar ou projetar a planta de uma construção, pode ser usada mais amplamente na acepção de iniciar uma discussão, um debate; tem implícita a tentativa de esmiuçar o tema ou problema, na busca de soluções ou entendimentos maiores e afins.
Durante minha formação, nada era mais estimulante do que “plantear los pacientes”!
Ou seja, vê-los como um todo; holisticamente; criar hipóteses, tantas quantas fossem possíveis, para diminuir as chances de imprecisões diagnósticas.
E, felizmente, continua sendo!
Mas lembremos que independentemente de quais sejam as nossas atividades profissionais ou mesmo nas lides do dia a dia, todos dependemos de diagnósticos.
Se atentarmos, mal despertamos e já estamos fazendo alguma análise, pesquisa ou reconhecimento; fazendo alguma hipótese; buscando justificativas; é nossa forma de entender ou diagnosticar qualquer evento ou problema.
No nosso uso quotidiano, o termo mais próximo seria pensar [2]; pensar o paciente; pensar o problema; seja qual seja; até poderíamos escolher outros vocábulos, mas decidi por pensar.
Contudo, infelizmente, temos por hábito usar com frequência termos como posicionamento ou opinião.
Posicionamento [2] é adotar uma posição sobre algum assunto; quase inflexível.
Opinião [2] é expor uma maneira de avaliar, de julgar ou exarar um ponto de vista muito pessoal.
Podemos até considerá-los sinônimos, pois, têm, deveras, significados de ações restritas. Tanto que, em os precedendo, se costuma usar pronomes possessivos – meu e minha -, cometendo quase um pleonasmo vicioso; português é assim, meio complicado.
Olavo Bilac [3], jornalista, contista, cronista e poeta brasileiro, já nos advertia no seu poema “Língua Portuguesa”:
“Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela… (…)”.
Posicionamentos ou opiniões são, portanto, pontuais e abrangem aspectos específicos de um tema; mesmo quando tratamos de assuntos amplos em significados e interconexões.
A validade da nossa convicção, deveria durar apenas o tempo que levamos para falar ou escrever, ouvir ou ler; especialmente quando de assuntos ou temas controversos, polêmicos e confusos; ao terminarmos de escrever, ouvir ou falar, já deveríamos exercitar as dúvidas sobre o nosso posicionamento ou a nossa opinião; ou seja, duvidar das nossas improváveis certezas; a ideia deveria girar em torno do conhecimento e análise da posição ou opinião oposta na esperança de que nos aporte ensinamentos que nos permita entender os fenômenos por completo, alcançando assim, o melhor resultado possível. Por outras palavras, ouvir antes de fechar questão!
Logo, conversa, debate, discussão ou similar, não é luta, é troca! É a valorização das múltiplas competências humanas!
Quando participamos de uma boa contenda cognitiva, nunca mais seremos os mesmos; como dizia Einstein, “uma mente uma vez expandida jamais retorna ao seu estado original”. É assim que criamos o conhecimento; é assim, que aprendemos a pensar por nós mesmos; é um treinamento; é uma escola!
Falando ou escrevendo, devemos estar cientes de que não somos arautos de verdades absolutas; participamos e discutimos para aprender; é a oportunidade de ouvirmos ou lermos pessoas que respeitamos; e não importa qual assunto; temos saberes e experiências a nossa volta para discutirmos qualquer um; necessitamos sim, é exercitar o nosso lado pensador, planteador, não nos submetendo ao comando impulsivo de circuitos cerebrais tão básicos, como aqueles que comandam as nossas emoções; é um treinamento diário ou de toda hora.
O cérebro emocional, embora fundamental para a manutenção da vida, é primário no sentido da evolução e apuramento cognitivo!
Perdoem-me, mas não penso que deva haver assunto tabu entre nós; precisamos enriquecer-nos com as diferenças cognitivas, de costumes e de interesses, pois aqui, a igualdade pode ser fonte de apatia, enquanto a desigualdade costuma produzir luz na forma de novos saberes e novas visões.
A Maçonaria ensina a busca da verdade e é complicado encontrá-la; esta busca é cheia, propositalmente, de segredos; e vamos penando, pois, na busca da perfeição, se encontrarmos “a verdade”, chegamos ao final do caminho; e aí já estamos no fim de nós mesmos; por isto, diz-se que a felicidade não está nas metas conquistadas, mas sim na aprendizagem do caminho percorrido; ou mais ainda, nos companheiros de caminhada.
Uma imagem desagradável, não técnica, que guardo do final de meu curso de graduação e que apesar dos 45 anos passados continua impregnada na minha mente – como sói acontecer com as emoções – foi produzida por dois professores que, por mera diferença de conduta (ou opinião!), usaram os circuitos rápidos que comandam as respostas emocionais e, na frente de mais de 100 alunos, convidaram-se para resolver as diferenças ali… na rua; à época, como estudantes, vibramos, esfregamos as mãos e já escolhíamos por quem torcer, mas para nossa decepção, felizmente, nada aconteceu.
Por outro lado, quando iniciei a minha pós-graduação na área em que atuo, apesar de espantar-me com a imposição e a forma incisiva como os professores expunham os seus planteamentos, logo, percebi que as discussões eram apenas retóricas; faziam parte da tentativa de esclarecer o problema – no caso, para o bem de outros – e não para estimular diferenças; obedecendo o dito: sejamos “hard” com os problemas e “soft” com as pessoas; assim, terminada a reunião, todos saiam conversando, combinando jantares, como se nada tivesse ocorrido. Lição dupla: técnica e humana!
É o exemplo típico e prático que rega a diferença entre apenas posicionar-se ou opinar – comportamento de risco – e pensar ou plantear problemas e relacionamentos – comportamento confiante.
Já nos ensina a Maçonaria as Sete Artes Liberais ou Ciências e Provérbios 9:1 diz:
“A sabedoria já edificou a sua casa, já lavrou as suas sete colunas”.
Aqui, dentre elas, lembremos da Retórica4, a argumentação eloquente, e, da Lógica4 que nos leva a conclusões baseadas no nosso conhecimento, dirige e orienta a busca da verdade, estabelece a relação entre causa e consequência. É, ressalto, como plantear ou pensar qualquer tema.
Discutamos o que queiramos discutir: temos visões políticas diferentes? Simpatizamos por desportos ou equipes diferentes? Temos visões religiosas diferentes? Temos expectativas não exploradas nas Lojas ou mesmo na Instituição? São temas, entre inúmeros outros, subjectivos ou polémicos, sempre com alta carga emocional. Mas ainda bem que sempre teremos visões díspares sobre eles; o que devemos é lapidar a nossa forma de visualizar e elaborar racionalmente os aspectos diferentes destas visões.
Só valorizando o caminhar sobre o Piso Mosaico, ouvindo, lendo, aceitando e incorporando aspectos das nossas diferenças, sem exercitarmos emoções exageradas, poderemos crescer; e, destarte, dizer que a Maçonaria é importante nas nossas vidas e que está nos permitindo trilhar o difícil caminho da busca da alegria, do companheirismo, da confiança mútua, da solidariedade, do respeito, das atitudes pensadas, da contínua aprendizagem e da exploração do cognitivismo como método educativo [5]; enfim, o conjunto que constitui a única perfeição que julgo, podemos sonhar como humanos.
No ambiente onde conheço, respeito, confio e admiro as pessoas, posso, às vezes, até falar ou postar amenidades em redes sociais, mas quero acima de tudo, aproveitar a oportunidade para sorver o que a liberdade do convívio, da confiança e da amizade me permite e concede: a perspectiva de discussão racional de qualquer tipo de assunto, por mais áspero que seja; quero ter a oportunidade de plantear ou pensar sem inibições!
Discordo de posicionamentos conservadores sobre a evitação de assuntos importantes e polêmicos entre nós; necessitamos trabalhar a nossa egrégora sem receio de falar ou ouvir opiniões diversas. É assim, que continuaremos a sentir no fundo da nossa alma a incrível sensação de pronunciar: quão bom e quão suave é estarmos entre irmãos… e amigos.
Planteemos, pois, os problemas, os temas e os relacionamentos, brindando à amizade, ao carinho e à compreensão entre nós.
Um Tríplice e Fraternal Abraço a todos!
Walter Roque Teixeira,
M. M. – CIM 184.372 – ARBLS Palmeira da Paz nº 2121, Oriente de Blumenau – GOB/SC – GOB
Referências
[1] Diccionario de la Lengua Española – Real Academia Española.
[2] Houaiss – Dicionário Online de Português.
[3] Olavo Bilac – Academia Brasileira de Letras.
[4] Dafoe, Stephen – As Sete Artes e Ciências Liberais – tradução António Jorge.
[5] “Pedagogia ao Pé da Letra” – Abordagem Cognitiva (exemplo).
Oriundo: https://www.freemason.pt/