SOBRE TEMPLOS E PROFANOS

Existem palavras e conceitos que admitem diferentes interpretações. Assim é com “Iniciação”, costumeiramente utilizada como se comportasse entendimento único, sem considerar as enormes diferenças entre as iniciações de Escolas de Sabedoria (Mistérios), iniciações operativas medievais, e ritos de passagem da adolescência para a vida adulta de muitos grupos humanos. Diferentes também são os conteúdos da palavra “Mistérios”. No contexto das escolas de sabedoria,a palavra refere-se a algo distinto, por exemplo, de “mistério” em uma história de Sherlock Holmes, e diferente ainda dos “Mistérios” maçônicos. Outro exemplo é a palavra “TEMPLO”. Utilizada predominantemente dentro de contexto religioso, são também conhecidas as referências,por exemplo, a um museu, como um “Templo da Cultura”, ou de um estádio, como “Templo dos Esportes”.

Qual o contexto adequado para o “Templo” maçônico?

No início do século XVIII as lojas maçônicas de Londres reuniam-se em salões de tabernas, adegas ou porões. Somente em 1765 foi construído o primeiro edifício destinado ao uso exclusivo da maçonaria. Símbolos que constavam do “quadro da Loja”, que nos primeiros tempos eram traçados com giz e carvão no piso do local da reunião, e apagados no final dos trabalhos e depois foram bordados em tapetes, acabaram migrando para elementos arquitetônicos dos templos.

Nos países de língua inglesa, chama-se de “templo” o edifício que, em geral, contém salas paraadministração, salão de festas e biblioteca, além de várias “Salas de Loja” (Lodge Rooms), onde se realizam as reuniões, o que nós aqui chamamos de templo. O “Templo da Maçonaria” não tem conotação religiosa, pois, como todos sabem e concordam, Maçonaria não é uma religião. Assim, não é lugar de nenhum culto sagrado. Templo maçônico é, simplesmente, o local onde os trabalhos maçônicos são realizados, assim como um Museu é “Templo” da cultura. O edifício maçônico tem elementos alusivos ao Templo de Jerusalém, e lendas de vários graus do REAA referem-se a histórias desenvolvidas em torno de sua construção. Certamente essa aproximação simbólica, contribuiu para a associação de aspectos religiosos ao templo maçônico, assim como palavras especiais como “Rito”, “Liturgia”, etc.

Vale lembrar que essas palavras em geral associadas a cerimonias religiosas, possuem também conotação não religiosa. Os termos utilizados nos países de língua inglesa ignoram essas associações de tom religioso. Mas esse edifício tem também (ao menos nas versões latinas) elementos da cultura grega, como as colunas e o zodíaco, e do parlamento britânico, despidos de conteúdo religioso. Diga-se também que as “Lodge Rooms” nos países de língua inglesa têm decorações e elementos arquitetônicos diferentes. Algumas são no estilo Jônico, ou coríntio, ou renascentista, outras no estilo colonial americano, mantendo como padrão apenas a posição do venerável Mestre no Oriente, o primeiro Vigilante no Ocidente, próximo às duas colunas e das saídas do recinto, o segundo vigilante no sul e o altar no centro da loja.

Mas, alguém dirá: O templo maçônico passa por uma cerimônia especial de “Sagração”, logo, torna-se sagrado.

Tenho comigo uma edição especial de “Rituaes Especiaes – de Inauguração de Templo, Adoção de Lowtons, Banquete e Pompa Fúnebre”, impresso em 1925. Lembremos que a maçonaria brasileira nessa época era o GOB, pois ainda não ocorrera a cisão que criou as Grandes Lojas Brasileiras em 1927. A cerimônia era chamada de “Inauguração do Templo”. Mais tarde, algum maçom “espiritualizado” entendeu que, como os templos religiosos são sagrados, assim deveria ser também o maçônico, e alterou o termo.

Vou transcrever a seguir trechos do “Ritual de Inauguração do Templo’, atualizando a grafia. O texto inicia-se com a descrição dos elementos simbólicos, que deverão estar presentes no interior do edifício, bem como a ordem de entrada dos membros e visitantes com indicações de detalhes do cerimonial. Em dado momento, diz o primeiro Vigilante:

̶ Seja esta luz para nós o símbolo da razão que guia a humanidade para o progresso. Possa ela esclarecer todo o profano que vier a este templo para aprender a ciência da Vida.

Depois, seguindo o cerimonial, o segundo vigilante acende também sua luz e diz:

̶ Que essa dupla luz, símbolo do livre pensamento e da investigação atenta, nos guie sempre com seus raios. Que nos ensine a por nossas palavras e nossos atos de acordo com nossas convicções.

Segue a cerimônia. Mais adiante, o Presidente da Comissão de inauguração toma o turíbulo com incenso e diz:

̶ Que o fogo da coragem e o amor de nossos semelhantes, inflame nossos corações, e assim como os vapores desse perfume se elevam e se espalham, possam os nossos trabalhos exercer uma influência salutar para o progresso da Humanidade.

Depois de anunciar e declarar a inauguração do templo, o Presidente fala:

̶ Meus irmãos, a luz penetrou neste templo e espalhou o seu brilho nas colunas simbólicas. Podemos, de hoje em diante aqui proceder regularmente nossos trabalhos. Possa a palavra, essa manifestação do pensamento, que faz do homem o primeiro dos seres, fazer ouvir neste templo, os acentos da verdade! Que ela ilumine nossos obreiros e faça deles homens novos!

Nunca esqueçamos que é à regeneração e à felicidade da humanidade que devem tender todos os nossos esforços e que devemos nos esforçar por libertá-la do jugo vergonhoso da ignorância e dos preconceitos, por combater paixões que a perturbam.

 

No final, promove-se o único procedimento com conotação religiosa ̶ uma oração.

̶ Recebe, ó Grande Arquiteto do Universo a oferenda que deste novo templo te fazem os obreiros aqui reunidos. Não permitas que ele jamais seja profanado pelo fanatismo, pela inimizade, pela mentira ou pela discórdia. Faze, ó luz incriada, que dedicação, a caridade, a paz e a verdade tenham aqui seu santuário; e que nos trabalhos consagrados à tua glória e a felicidade do gênero humano, os maçons sintam sempre as doçuras da mais fraternal união.

 

Nesta época ainda vigorava o antigo costume de se dedicar os trabalhos “Á Gloria do Grande Arquiteto do Universo”. O conteúdo das falas é eminentemente filosófico e a cerimônia com o correspondente simbolismo. Não há referência a cultos religiosos de qualquer espécie.

Tendo então em mente que Maçonaria não é religião e seus trabalhos tradicionais, apesar de ritualizados e solenes, não desenvolvem qualquer espécie de culto religioso, sendo sua sequência tradicional, segundo cada rito particular: abertura dos trabalhos (com leitura de texto bíblico), Leitura de expediente, ordem do dia, na qual se procedem iniciações, ministram-se instruções, apresentam-se trabalhos e palestras. Procede-se o recolhimento de óbulos, concede-se a palavra aos presentes e procede-se o encerramento dos trabalhos. Ainda que com ordem e particularidades diferentes este é o resumo do que se faz em qualquer loja maçônica.

A cadeia de União tem sua execução determinada para a comunicação da Palavra Semestral, senha de uma obediência Maçônica, ou mesmo de uma confederação. Esse momento inspirou maçons religiosos, que tem aproveitado a ocasião para fazer uma prece em benefício de algum irmão doente. Em alguns casos, agregaram-se gestos e atitudes que não pertencem ao cerimonial maçônico, sendo exemplos de criatividade inspirada por procedimentos de outras instituições, de caráter espiritualista. Tudo o que se tem feito e dito em torno desse procedimento, ainda que agregado à prática de muitas lojas, nunca foi parte da tradição maçônica. È apenas reflexo da religiosidade comum dos membros de uma dada oficina que, em geral, comungam de fé religiosa semelhante.

Eram essas as considerações que tinha para partilhar com os irmãos sobre o tema referente ao Templo Maçônico.

Eleutério Nicolau da Conceição

Mestre Maçom (Instalado) da Loja "Alferes Tiradentes"

Oriente de Florianópolis - Santa Catarina