Trolhamento ou telhamento?

 

 

“Traduttore, traditore” dizem os italianos, aludindo à dificuldade de manter-se a fidelidade absoluta ao verter um texto para outro idioma. Certas expressões são características de determinadas línguas e às vezes uma frase inteira é necessária para traduzir o sentido de uma palavra. 

 

O que deve ser traduzido, na verdade, é o sentido do que se pretende transmitir e não a palavra. Um bom exemplo desse fato é a versão de uma canção que anos atrás fez bastante sucesso: do original inglês “I never promissor you a rose garden” saiu em português “Eu não lhe prometi um mar de rosas”. Por razões musicais, “never (nunca) foi traduzido como “não”, mas o termo “rose garden” foi corretamente traduzido como “mar de rosas”. É claro que “garden” é jardim e não mar, mas quando dizemos que a vida de alguém é um “mar de rosas”, não estamos falando de água nem de flores, mas de uma vida plácida, sem problemas, e a expressão inglesa que tem exatamente este sentido é “rose garden”. Portanto, a tradução foi perfeita.

 

Há algum tempo publicações maçônicas têm trazido a contestação do uso da palavra “trolhamento” para nomear a sabatina a que os Irmãos devem ser submetidos para obterem o correspondente “aumento de salário”, isto é, passarem do grau de Aprendiz ao de Companheiro e deste ao de Mestre. Argumenta-se que o termo correto é “telhamento”, visto que corresponde diretamente à palavra usada em outros idiomas com o mesmo fim, e que em sua etimologia significa “cobrir com telhas”.

 

Entretanto, o oficial que em nossas lojas corresponde ao Tyler inglês recebeu no Brasil o nome de “cobridor”, que muito adequadamente descreve as funções de “manter nossos trabalhos a coberto das indiscrições profanas”. Deveríamos então mudar o título deste oficial para “Telhador”? 

 

Como traduziríamos, então “Senior Warden” e “Junior Garden”? (1º e 2º VVig)? Seria por acaso “Guardião mais velho” e “Guardião mais jovem”? Ou talvez devamos mudar o título do presidente da Oficina para “Adorável” mestre, já que “Worshipful master” vem de Worship, que significa adorar! Alguém poderia também argumentar que o título de “Sereníssimo” de nosso Grão-Mestre, está errado, pois em inglês seu equivalente é “Most Worshipful Grand Master” - Muito Venerável (adorável?) Grão-Mestre. 

 

Mas, voltando ao “trolhamento”, se chamamos o “Tyler” de cobridor, o proposto “telhamento” não deveria, então ser “cobrimento”? Talvez este termo, tal qual o seu equivalente “cobertura”, não tenha sido proposto porque poderia dar margem a jocosas e indesejáveis interpretações.

 

A bem da verdade, não tenho informação do que teriam em mente nossos Irmãos que primeiro usaram a expressão “trolhamento” para nossa aferição de conhecimentos. Talvez interpretassem que, como a trolha serve para alisar, dar acabamento à obra, nossa averiguação seria o trabalho final, o “acabamento” para deixar o Obreiro pronto para a próxima etapa. Qualquer que tenha sido sua intenção, a palavra foi utilizada por muito tempo, nomeando adequadamente a aludida cerimônia.

 

Face aos argumentos levantados, cabe-nos decidir se devemos passar a utilizar a nova palavra proposta, promovendo uma adequação a uma suposta melhor tradução (mudaríamos também outras palavras ou só o trolhamento?), ou se manteremos a forma costumeira que pelo seu longo uso tradicional já tem associado a si o significado de aferição de conhecimentos.

 

Eleutério Nicolau da Conceição

Obreiro da Loja “Alferes Tiradentes”

 

Originalmente publicado no órgão de divulgação “A Chama” da GLSC, em setembro de 1996.