Um resto de esperança

Imaginei chegar num mundo, dentre os quintilhões deles existentes no nosso (conhecido) Universo, em que seus seres (supostamente) inteligentes pudessem viver em paz, respeitando-se reciprocamente. Despidos de sentimentos irracionais, radicais e violentos, respeitadores das liberdades alheias e munidos de um mínimo de discernimento que lhes privasse de tantos pensamentos idiotizados, dogmáticos e anchos de apedeutismo, pudessem ser minimamente tolerantes e razoáveis.

 

Sonhei em viver num lugar (cidade, país, seja lá oque for) em que a verdadeira e Divina Justica prevalecesse, despida dos interesses politiqueiros e argentários, que corrompem a alma. Num ambiente em a todos, sem exceção, se desse a chance de uma vida digna e saudável, sem excessos ou carências absurdas. Sem fome, miséria, luxo ou ostentação. Sem que os "líderes" (políticos, religiosos ou de qualquer natureza) se despissem da suposta "autoridade" e deslumbramento, a lembrarem-se de que o maior dos líderes da comunidade humana andava com vestes rotas, se sandálias e de forma humilde.

 

Causa-me asco que reis, presidentese e ministros naveguem da piscina da vaidade, da arrogância e da fartura, enquanto seres comuns transitam pela necessidade da comida diária, do cobertor e dos remédios contra doença simples. Revolto-me contra os que, em sua profissão (inclusive na minha) se valham do prestígio do nome, dos cargos e da fortuna pessoal, para obter vantagens. Sinto nojo de quantos, a saberem que transitam pelo erro, nele permanecem com empáfia. Vislumbro uma sociedade igualitária, correta e gentil, em que ninguém apegado a crenças idiotizadas e a valores monetários abjetos, tenha lugar. Senão para, depois, no momento adequado, tomarem consciência de seus erros.

 

Há momentos em que, disto, consciente, me revolto e tomo atitudes destemperadas. E delas me arrependo. Mas, convenhamos, sou um deplorável ser humano em processo de evolução espiritual. Lutar pela sobrevivência material digna é algo legítimo, claro. É o que tento fazer, mas sem desbordar dos limites éticos. Penso numa cidade na qual todos parassem seus carros nas faixas (hoje, aliás, não pude fazê-lo para uma moça que esperava atravessar uma avenida, posto que, logo atrás de mim, vinha um ônibus em alta velocidade... Parasse eu, ela e eu seríamos atropelados). Penso num lugar em que pudéssemos subir num morro, dominados por traficantes drogas, para dar água, comida e cobertores (como faz minha mulher).

 

Recordo-me da época em que, na velha de 13 de Maio, comia frutos no pé, jogava futebol de pés descalços e tomava água de torneira (ou a laranjada que minha babá fazia). Passava o dia fora, sem comunicação, exceto pelo "olherão", se fichas ainda houvessem.

 

Imagino um país com dirigentes honestos e com um SupremoTribunal que não mude de opinião a cada semana ou mês, a destruir a segurança jurídica. Mas parece que vai ficar para geração das minhas filhas e netos. A mim resta reinsistir, com a dignidade e coragem que ainda me sobram.

 

Valmir Pontes Filho

Advogado

Fonte: Opinião do “Diário do Nordeste” - www.diariodonordeste.verdesmares.com.br