Uma viagem para o interior.

Lá fora está um calor de matar. Não dá vontade de sair nem para ir à praia. Só de pensar no trânsito, no sol e em procurar um lugar na areia para armar o guarda-sol já me dá preguiça. 
 
Ligo o ar-condicionado em casa, e quando a temperatura chega perto dos 20 graus tenho a certeza: nenhum lugar do mundo hoje é melhor do que a minha sala. Tá bom, há um certo exagero nisso. Estaria muito feliz se estivesse curtindo o frio de Paris, a neve de Nova York, a água transparente de Bali, as montanhas da Suíça... Mas, por ora, acho minha sala refrigerada uma maravilha.
 
Decido tirar a tarde para fazer uma arrumação nos armários. Daquelas que a gente faz uma vez por ano, e olhe lá. Mas desta vez juro que será para valer: vou colocar no lixo (ou separar para doação) tudo aquilo que não preciso mais. Abro a primeira gaveta e fico impressionada: como conseguimos acumular tantas coisas? É engraçado isto. Quando viajamos, conseguimos viver muito bem 30 dias com apenas aquilo que cabe em uma pequena mala – bom, pelo menos eu consigo. Isto significa que vamos guardando vida afora coisas que são absolutamente supérfluas, e que só enchem armários e gavetas.
 
Fico feliz quando vejo que os sacos com lixo e para doação estão cada vez mais cheios, e que minhas prateleiras e guarda-roupas voltam a ter espaços vazios. Tudo vai bem (e rápido) até que chega a hora de decidir o que fazer com tudo aquilo que nos traz boas lembranças. Meu marido e meus filhos não conseguem desapegar de antigos uniformes dos times preferidos, alguns surrados de tantas peladas já disputadas nos campinhos de futebol. Tento argumentar, mas não adianta. É uma luta perdida, até porque sofro do mesmo mal.
 
“Me desfaço de uma camiseta se você mandar pro lixo essas lembrancinhas de viagem”, me desafiam. Ah, não. Isso é chantagem. Cada bonequinha, quadrinho, máscara e pratinho que guardo têm um valor inestimável, apesar de parecerem quinquilharias aos olhos mais desavisados. Todos eles ajudam a contar a minha história: a máscara de madeira comprei de um artesão na África do Sul que precisava do dinheiro para alimentar os cinco filhos; a bonequinha espanhola adquiri de uma idosa muito simpática na Plaza Mayor de Madri; a miniatura da Torre Eiffel comprei quando realizei o sonho da minha mãe de conhecermos juntas a Cidade Luz; o barquinho de madeira ganhei de um velho pescador muito gente boa de São Francisco do Sul. E assim por diante... São pedacinhos da minha vida, e o mais legal é que vivo novamente aqueles momentos quando abro minhas gavetas.
 
O dia termina e a arrumação, como sempre, não chega ao fim. Muitas coisas voltam para os armários. Isso que eu nem mexi na enorme caixa de fotografias... É sempre assim na minha casa, e provavelmente na sua também. Mas só esta “viagem” para o interior de nós mesmos, por meio das lembranças queridas, já vale a pena. Vou dormir com dor nas costas, mas a alma não poderia estar mais leve.
Autor
*Viviane Bevilaqua
Colunista do jornal “Diário Catarinense”.
Entre em contato com a autora: viviane.bevilaqua@diario.com.br